"O andor ainda estava no adro. A igreja estava engalanada e alguns dos fiéis suspiravam pela remoção dos santos desgastados pela pregação. Os pagadores de promessas, vindos das paróquias mais pobres e desfavorecidas, confiavam que aquele andor traria a boa nova. Aumentaram-lhe o tamanho, enfeitaram-no com metros e metros de cetim e madeira, rodearam-no de mensagens de esperança e bonança. Quando saiu a procissão, até os párocos da capital vieram em socorro da imponência do ato. A comissão de festas não cabia em si de contente: a fé abraçava mais do que nunca o espírito e iluminava a concórdia.
Passado pouco tempo, o andor estava mais pujante. Os pagadores de promessas voltaram a unir-se e desejavam levar agora a boa nova – que é como quem diz, a procissão – até à Igreja Matriz, onde, desde as obras mais recentes, se ampliaram as instalações para dar lugar a novos conselhos da fé. Havia que convencer novos párocos de que a procissão seria diferente mas a mensagem era sempre a mesma. A comissão de festas deu o seu melhor, mas temeu que a procissão acabasse por não chegar ao destino prometido. Algumas paróquias por onde passaria a procissão estavam ainda de pé atrás, pois não confiavam que o andor, ainda mais altivo com arames e alfinetes, juntasse fiéis suficientes. Mas, no dia anunciado, tudo se compôs. A procissão fez chegar o andor ao adro e depositou-o bem perto do altar.
Desde então, o andor olhou os pagadores de promessas de lado. Por trás. Outra vez de lado. Perdeu aquele cheiro de naftalina do cetim e atraiu o bicho da madeira. Os alfinetes mudaram de direção e os arames iniciaram uma espécie de resistência aos que sempre foram fiéis. Até parecia ter ganho vida, feita de desdém por quem se fez à vida por ele. A comissão de festas não quer agora restaurá-lo. Convenceram-se que o andor nunca será mais do que um mau pagador de promessas.
Assim se deu esta semana a rutura da maioria dos clubes da Liga com Fernando Gomes. Lá terão as suas razões para que o andor não seja efetivamente o que parecia… Todavia, os clubes que agora solicitam “voto de censura”, se têm razões ou interesses legítimos, perdem toda a razão quando ameaçam com “greves” e “paralisia dos campeonatos”. Não é esse o caminho. Nesse trilho só encontram derrota e perda de pontos nos jogos em que não comparecerem. Nessa rota encontram a oposição de todos aqueles que, com justeza, formulam dúvidas e incertezas na fórmula e no tempo encontrado para o alargamento aprovado. Nessa posição sem recurso à Liga enquanto representante institucional, desobrigam Gomes a negociar um novo “contrato” com a Liga. Nessa trincheira acabarão por permitir que Gomes persista na ilegalidade que é invocar a vigência do “protocolo” atual até 2013. Nessa opção fragilizam todos os outros temas do “contrato” FPF-Liga e causarão um dissenso insanável que ficará nas mãos do Conselho Nacional do Desporto. Se é tudo isto que não querem, voltem à “casa-mãe” e deliberem em assembleia um mandato claro para a Liga ser forte junto da FPF. Esta força, nas “procissões” caseiras e lá fora, será a força de todos os clubes."
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