"Diziam que Mourinho precisava de parar um momento, respirar fundo e olhar para trás.
Que era urgente reencontrar-se com o special one interior, coberto de charme e magnetismo, que fala do eu, eu, eu, e mesmo assim o mundo escuta.
Insistiam, enfim, que tinha de voltar a ser o que era antes.
Mas Mourinho nunca volta ao que já foi. Na pior das hipóteses, passa pelo que já foi e vai mais longe. Mais fundo. Mais alto.
Neste caso foi ao princípio de tudo: voltou ao Benfica, 25 anos depois.
Mourinho regressou ao Benfica 25 anos depois, como só ele sabe regressar: não como quem pede desculpa, mas como quem avisa. E se há coisa que ele faz bem, é avisar.
Lembram-se daquela vez que, pelo FC Porto, perdeu a Supertaça Europeia, frente ao Milan? Chegou ao Aeroporto Sá Carneiro, colocou o ar de zangado e nem esperou que os jornalistas lhe fizessem perguntas. «O próximo vai ter de pagar», atirou. «Não quero saber, o próximo vai ter de pagar.»
O próximo era o Sporting e, sim, pagou: saiu goleado do Estádio das Antas.
Já agora, lembram-se de quando, na caminhada para a final da Taça UEFA, em Sevilha, o FC Porto perdeu em casa por 1-0 com o Panathinaikos? Logo após o fim, Mourinho saiu disparado em direção ao treinador Sergio Markarían para lhe dizer que não festejasse já, porque ainda havia a segunda mão. E a verdade é que o FC Porto foi a Atenas ganhar 2-0.
No fundo é isto, não é?
Por isso é que há algo neste regresso de Mourinho que devia preocupar os adversários: e não tem nada a ver com basculações, primeira e segunda fases de construção ou pressão alta.
Esqueçam, Mourinho não é isso. Este Mourinho já não é isso.
O que devia assustar os adeptos é uma arte performativa: é o teatro, aquele controlo da narrativa, a pulsão violenta. É no fundo a capacidade de trazer os adeptos todos para o mesmo parágrafo de fé, fogo e vontade. De unir a gente em torno de uma paixão arrebatadora.
Mourinho é um manipulador. Ardiloso, astuto e calculista. Estratega e persuasivo. É um influencer anterior aos smartphones.
Por isso é amado pelos adeptos.
Mesmo quando não vence tanto como se esperava, e aconteceu por exemplo em Roma ou em Manchester, os adeptos estão com ele. Respeitam-no. Defendem-no.
Porquê? Porque ele consegue unir as bancadas e devolver-lhes a esperança. E não há melhor sensação do que acordar com a esperança a bater no peito.
Conseguem imaginar o Benfica unido em torno de um homem, de uma ideia, de um sonho?
Aquele Benfica que é um caldeirão a ferver? Um clube em permanente autodestruição, com uma granada pronta a explodir nas mãos? Conseguem imaginar a força que não será quando encontrar alguém que o consiga reconciliar numa paixão?
Pois é, Mourinho voltou, sim. Não para repetir o passado, mas para se vingar dele. Como que a dizer: «A história? Fui eu que a escrevi.»
Sintam-se avisados."

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