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domingo, 21 de setembro de 2025

O 'Efeito Mourinho' no Benfica e não só


"Esta semana, na rubrica 'Liderar no Jogo', confesso que não ia escrever sobre José Mourinho. Mas os últimos dias mudaram isso. Recebi dezenas de mensagens sobre a chegada do treinador português ao Benfica. Uns perguntavam-me «como é que o homem é?», outros se era a melhor altura para ele assumir a Luz. Até a minha esposa, que nada percebe de futebol, me disse: «Não tens como não escrever sobre Mourinho no Benfica.» E tinha razão.

O Efeito Mourinho já se sentia e ele ainda não tinha aterrado em Tires. Ainda sem contrato assinado, já dividia opiniões. Uns diziam que estava ultrapassado, outros que vinha apenas atrás de mais uma indemnização. Mas essa discussão já revela algo fundamental: Mourinho nunca deixa ninguém indiferente. Goste-se ou não, é um treinador que gera debate, que cria expectativas e que mexe com a rotina de um clube inteiro. Isso, por si só, é um ativo raro. Recebi mensagens de colaboradores do Benfica, curiosos: Como é que o homem é?; outros disseram-me: Vou-me deitar cedo para estar fresco amanhã no primeiro dia dele no Seixal; ouvi adeptos ansiosos por respostas. Senti entusiasmo, curiosidade e até nervosismo. Até os que duvidam da sua atualidade não resistem a falar dele. É isso o efeito Mourinho: mobiliza, agita, entusiasma, motiva, cria exigência.
A Rui Costa tem que se atribuir mérito pela contratação apesar de achar que era uma inevitabilidade a chegada de JM ao Benfica. Mourinho é, objetivamente, o treinador com mais currículo que alguma vez treinou em Portugal. O melhor treinador português de todos os tempos. Ponto final. Falamos de 26 troféus, de cinco finais europeias conquistadas (e meia roubada, como ele gosta de dizer com toda a razão), de títulos em quatro países diferentes e de passagens marcantes em clubes de topo mundial. Ganhou em todos, menos em dois: no Tottenham, onde foi despedido dois dias antes de uma final da Taça da Liga, e no Fenerbahçe, onde a paixão dos adeptos não foi suficiente para esconder a falta de dimensão competitiva para o seu estatuto.
Se concordo com todas as opções de José Mourinho? Não. Para mim, houve três clubes que foram, claramente, erros de casting na sua carreira. Porquê? Porque, apesar da dimensão e história destes clubes, não estavam à altura do nível de Mourinho. Eram equipas que, na altura, não tinham qualquer hipótese real de conquistar a Premier League ou a Serie A. Falo do Tottenham e da Roma. 
O estatuto de Mourinho só permite uma coisa: lutar para ser campeão. Não para disputar um quarto ou quinto lugar que, aliás, já seria um feito para a Roma, considerando a força do Inter, Juventus, Milan, Nápoles etc. É verdade que levantou um troféu europeu, erguendo junto ao Coliseu e entregando a conquista aos adeptos, mas o estatuto de Mourinho é disputar a Liga dos Campeões, não a Liga Europa ou a Liga Conferência. Com todo o respeito por essas competições, por treinadores e clubes, Mourinho é Mourinho.
O terceiro erro de casting foi o Fenerbahçe. Viveu o fervor e a paixão dos adeptos turcos, mas, para Mourinho, é preciso mais. Não é o campeonato para ele. Ainda assim, deu o seu melhor, viveu para acrescentar valor ao clube e proporcionar alegrias aos adeptos. Na época passada, Mourinho apresentou o Fenerbahçe como uma equipa organizada, pragmática e fiel a muitas das suas ideias clássicas. O modelo de jogo baseava-se na consistência defensiva, na ocupação rigorosa de espaços e na gestão do ritmo do jogo consoante o adversário. Procurava uma equipa compacta, muitas vezes com bloco baixo, obrigando o adversário a explorar as alas e a recorrer ao cruzamento, evitando o jogo interior e aproveitando a jogo aéreo dos centrais e do guarda-redes Livaković - embora não fosse sempre o seu ponto forte, melhorou significativamente ao longo da carreira.
Ofensivamente, em jogos contra equipas mais frágeis ou em casa, o Fenerbahçe procurava impor posse, explorar a largura do campo e envolver os laterais. Mas contra rivais mais fortes, prevalecia a abordagem pragmática: segurança defensiva, contra-ataque eficiente e confiança nos jogadores mais experientes para decidir nos momentos-chave. Mourinho montou uma equipa sólida, com os argumentos que tinha à disposição, diferentes daqueles que o Galatasaray possuía com Osimhen e companhia. No fim, os números falam por si: o Fenerbahçe somou 84 pontos, insuficientes para destronar o Galatasaray, campeão com 95 pontos. Entre épocas, perdeu seis titulares e não recebeu reforços de qualidade equivalente. Foi despedido após não conseguir o acesso à Champions, o que, a meu ver, foi até um favor que o presidente lhe fez. Ninguém gosta de ser despedido, mas não era o clube nem o campeonato para ele.
Para mim, treinando estes três clubes, Mourinho baixou o nível. Digo isto sem ter toda a informação, claro. Mas conheço e reconheço o seu vício pelo treino, o seu amor pelo futebol, e porque sei que, realisticamente, só existem oito a dez clubes no mundo com a dimensão adequada para ele. Essa limitação, aliada à enorme vontade de treinar, explica algumas escolhas que me pareceram erradas. Talvez seja daí que surgiu a ideia de que está ultrapassado. Não está. Está, sim, diferente. Se há treinador que sabe o que é preciso para ganhar, é ele.
A verdade é esta: Mourinho vive para ganhar, acrescentar valor e criar impacto. Dizer que Mourinho está ultrapassado é uma análise simplista. Sim, o futebol mudou. Mas o mundo também mudou. Os jogadores de hoje não são os de há 10 anos, os contextos transformaram-se. O que fez Mourinho? Adaptou-se. Reinventou-se. Amadureceu. Nos últimos anos, acrescentou mais duas finais europeias ao currículo. Continua a ser uma referência para jogadores e treinadores de topo. Rakitic dizia-me recentemente que lamentava nunca ter sido treinado por ele. Totti é outro caso: rendido ao Special One. Isto não é acaso. É prova de que Mourinho continua a inspirar os melhores.
E qual o ser humano que não quer trabalhar com Mourinho? Só alguém sem ambição, sem fome de vitória. Ele é mestre em tirar o melhor de cada colaborador. Costuma dizer-se que Mourinho treina pessoas antes de treinar jogadores. E é verdade. Quem convive com ele percebe que não é apenas a tática que marca diferença, é a liderança, é a proximidade, é a inteligência, é a intensidade e a forma como faz um atleta acreditar que pode ser melhor amanhã do que é hoje. É esse detalhe que cria campeões.
O efeito Mourinho não é só sobre vitórias e títulos. É sobre cultura de trabalho, exigência e mentalidade. É sobre mudar o ar de um balneário inteiro. Um colaborador do Benfica dizia-me: Tenho de me deitar cedo para estar fresco amanhã, é o primeiro dia de Mourinho no Seixal. Di María comentava numa publicação de Otamendi: Agora vem o melhor, amigo… Isto não se compra. Isto cria-se. Mourinho cria isto de uma forma natural. Eleva o nível de todos, desde o roupeiro ao craque da equipa.
Outra faceta incontornável é o impacto mediático. Mourinho não é apenas notícia: ele faz notícia. A sua chegada ao Benfica já multiplicou em poucas horas a cobertura nacional e internacional. O que significa? Que o Benfica ganha palco, que a Liga Portugal ganha exposição, que os rivais são obrigados a reagir. No fundo, Mourinho é também um ativo de marketing, uma marca global. Saiba o clube da Luz tirar proveito desta ajuda na internacionalização para chegar a mercados como o asiático. O Benfica ganha um treinador e, em simultâneo, um embaixador de luxo.
Quanto às indemnizações que tanto se falam, a minha visão é simples: são justas. Se é dos melhores do mundo, tem contratos como os melhores. Se os clubes decidem rescindir antes do tempo, só têm de pagar o que foi acordado. Nada mais justo. Disse-o recentemente o Luís Castro, ex-treinador do Al Nassr de Cristiano Ronaldo, numa masterclass de futebol que tive a oportunidade de coordenar: se o clube não está satisfeito, só tem de fazer duas assinaturas: uma na rescisão de contrato e outra no cheque com o valor a que o treinador tem direito.
E o Benfica? Vai jogar como o Fenerbahçe? Claro que não. Mourinho não tem, por exemplo, 7 centrais no plantel. Ele vai adaptar-se à realidade e contexto do Benfica. Tem a sua ideia clara, mas não é prisioneiro dela. Sabe que uma filosofia é uma bússola, não um GPS. Ajusta-se ao plantel, ao contexto, à realidade. Foi isso que lhe permitiu vencer em Inglaterra, Espanha, Itália e Portugal. O Benfica, para mim, estava atrás de Sporting e FC Porto na luta pelo título. Mas a chegada de Mourinho muda o equilíbrio de forças. O clube ganha confiança, identidade, estatuto. Até os rivais, no fundo, ganham porque um campeonato com Mourinho é um campeonato com mais visibilidade, mais competitividade, mais espetáculo.
Há treinadores que ficam apenas pelos resultados. Mourinho vai além disso. Deixa sempre uma marca cultural: a forma como fez o FC Porto acreditar que podia conquistar a Europa; como deu ao Inter uma Liga dos Campeões que parecia impossível; como criou no Chelsea uma mentalidade de campeão que perdura até hoje. Mourinho é, e continuará a ser, um dos maiores de sempre. Não apenas pelo que ganhou, mas pelo que transformou. Porque soube liderar pessoas antes de treinar atletas. Porque inspirou gerações e mostrou que, no futebol, como na vida, ninguém ganha sozinho. Mas não faz milagres nem tão pouco é a águia Vitória. A estrutura Benfica terá de acompanhar. Ele é um verdadeiro influencer de comportamentos e o seu efeito já se sente no clube, no balneário, nos colaboradores, nos adeptos e até nos rivais. Mourinho não chega apenas para treinar uma equipa, chega para transformar uma cultura, e essa transformação já começou, antes mesmo do apito inicial para o Aves SAD-Benfica."

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