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domingo, 21 de setembro de 2025

José, o ‘Special Light’


"Há 25 anos, quando o apresentou na exígua sala de imprensa do antigo Estádio da Luz, João Vale e Azevedo enganou-se e referiu-se a José Mourinho como «um promissor jogador». Ter-se-á mesmo enganado? No contexto daquele encontro com os jornalistas, claro que sim. Mas, olhando para a vida e para a carreira de Mourinho enquanto treinador, o «promissor» tinha toda a razão de ser, e o «jogador» também.
O treinador de Setúbal, ao longo da sua vida desportiva, subiu a pulso até ao topo do mundo, passou por dificuldades inusitadas em alguns momentos e geografias, mas sempre soube jogar, no amplo sentido do verbo, jogar alto, jogar com as palavras, jogar com os conceitos e jogar para vencer.
Afinal, a receita pronta a servir para uma carreira de sonho, para a conquista de títulos, para a capacidade de permanente reinvenção em função dos momentos e dos desafios que se lhe foram colocando. E sem nunca ter de ceder, sem nunca vacilar nos conceitos, sem nunca abdicar dos princípios e sem nunca conceder a outros o espaço que, pelo mérito das ações e dos resultados, era obviamente seu.
Aqui chegados, temos Mourinho a regressar a Portugal mais cedo do que ele próprio havia previsto. O horizonte do técnico sadino era a Seleção portuguesa, mas dentro de alguns nos, quando entendesse esgotada a carreira no estrangeiro e percebesse que, finalmente, não teria de treinar todos os dias e de suportar a adrenalina competitiva duas ou três vezes por semana.
O futebol é feito de momentos e de oportunidades. E parece argumento de filme a conjugação de situações que permitiram o retorno de Mourinho a Portugal e ao Benfica, 25 anos depois: a derrota, na Luz, com o Feberbahçe, no play-off da Liga dos Campeões (que motivou a sua saída do clube asiático de Istambul); o desaforo provocado pelo Qarabag, no mesmo estádio encarnado, na abertura da fase de liga da Champions, com a consequente saída de Bruno Lage, o seu amigo de Setúbal; e, inegavelmente, a proximidade de eleições no Benfica, fazendo dele, José Mourinho, indiretamente, um trunfo à mão para jogar no momento certo pelo ainda presidente Rui Costa.
Tudo a confluir no espaço e no tempo para que o impossível se tornasse desejável e possível. Porque o salário habitual de Mourinho, convenhamos, é incomportável para qualquer clube português. Em sede de negociação, até a vontade do técnico prevaleceu. E os valores a pagar, embora altos, estão no limite do que a folha salarial benfiquista pode, ainda, aglutinar.
Depois, a mestria do novo treinador das águias, com uma lição de comunicação ao nível dos melhores, e que envergonha políticos, empresários, dirigentes ou jornalistas. Os soundbites no momento certo, a fazer lembrar Roger Schmidt com o seu «quem ama o futebol, ama o Benfica».
José Mourinho saiu da Luz apenas dez jogos volvidos, em 2000, e regressa com a bagagem de títulos, de experiências urbi et orbi, de modelos de competição e de comunicação transversais que muito lhe deram forma como pessoa e como profissional, e com a certeza de que, neste momento, é um profissional cada vez mais completo, humilde e conhecedor das necessidades e das ambições de quem o contrata. Sabe que o futebol, por ser momento, vira a maré de um dia para o outro, e que a conexão com a transversalidade e universalidade de adeptos e seguidores é essencial para a garantia de alguma tranquilidade no exigente patamar de trabalho a realizar nos próximos tempos.
José tem, agora, uma special light a iluminar-lhe o caminho. Uma espécie de relação win-win, em que quem contrata sabe passar a dispor de um dos melhores do planeta futebol, e em que ele próprio se sente num oceano amigo de grandes desafios: um dos melhores plantéis da Liga portuguesa, um grupo de jogadores estrangeiros com fome de projeção e, para os quais, as conquistas domésticas, sendo importantes, saberão sempre a pouco, um universo de adeptos por todo o mundo que lhe darão (era o que faltava se o não dessem), o imenso benefício da dúvida, a possibilidade de lutar de igual para igual com os rivais lusos e de se voltar a mostrar e a projetar na UEFA Champions League.
Tudo isto a comer robalo em Setúbal, a viver em casa com a família e a falar a sua língua materna em qualquer lugar para onde vá.
É, portanto, um Mourinho vintage, como os vinhos mais requintados e depurados, aquele que hoje à noite retoma a competição portuguesa, e a valoriza como, provavelmente, ninguém o conseguiria fazer de modo tão automático e imediato. A simples presença do treinador ganhador na Europa e no Mundo nos bancos dos estádios portugueses é elemento fundamental para que a prova portuguesa volte a ultrapassar fronteiras, coisa que, convenhamos, sucedia apenas quando os jogos eram entre grandes ou quando qualquer outro escândalo eclodia.
Ficam todos a ganhar, e o futuro dirá se Rui Costa também, no pleito eleitoral de outubro. Estrategicamente (e bem), os seus principais adversários na eleição benfiquista já vieram a terreiro elogiar José Mourinho e a respetiva contratação.
Afinal, quem pode, no universo da Luz, falar mal de quem produziu o soundbite do ano: «Qual é o treinador que diz que não ao Benfica? Eu não!»

Cartão branco
Inacreditável, a corrida de Isaac Nader para o título de campeão do mundo dos 1500 metros. Uma demonstração única de garra, de vontade e de capacidade de superação, depois de uma prova em que, taticamente, provou também estar entre os melhores do mundo. Inesperado? Sim, claro. Muito merecido e a deixar água na boca para um próximo grande desafio: tentar ser campeão olímpico, dentro de três anos, em Los Angeles. E a (com)provar que o sonho comanda a vida, e que o sacrifício e o trabalho árduo, quando aliados a um imenso talento, quase sempre conduzem a resultados dourados.

Cartão amarelo
Pedro Gonçalves já não é selecionador de Angola. A curta memória resultadista do futebol levou a Federação Angolana de Futebol (FAF) a encerrar o ciclo do técnico português à frente dos Palancas Negras a três meses da CAN de Marrocos, prova para a qual Angola protagonizou uma notável qualificação, após um igualmente excelente desempenho na CAN-2023 (em janeiro e fevereiro de 2024, na Costa do Marfim). É verdade que a qualificação para o Mundial-2026 não correu bem à seleção angolana (sobretudo as derrotas, em Luanda, com Cabo Verde e Líbia). Gonçalves sai antes do tempo, e Alves Simões, presidente da FAF, tem a imensa responsabilidade de encontrar um treinador que, em dezembro, em Marrocos, faça melhor. O que, sejamos diretos, é muito difícil."

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