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domingo, 24 de março de 2024

Portugal: talvez esteja enganado


"Olho para a Argentina dos últimos anos, e não só a do Mundial, e sinto alguma inveja

Talvez seja de mim, talvez seja apenas eu, mas há algum tempo que o perceciono e sinto. Talvez seja pelo facto de uma boa parte do meu crescimento tenha sido a ver a Seleção a lutar para estar em fases finais e não o conseguir; talvez seja por, nessa altura, haver uma espécie de união nacional em volta desse fatalismo.
Talvez seja pelo Euro-2000, com o nosso sexy football no qual Abel Xavier meteu a mão. Talvez seja por todas as injustiças futebolísticas que vi a Seleção passar. Desde a ausência nos EUA 1994 — presença merecida só por aquele golo de Futre à Estónia —, à expulsão de Rui Costa frente à Alemanha de Marc Batta (eu sei que é nome de árbitro francês), à eliminação no Mundial-2002 — aqui a injustiça foi para a esperança dos adeptos —, à final com os gregos e à quantidade de vezes que a França foi melhor do que nós. Talvez tenha sido por aquilo que acontecia no país ao mesmo tempo. Mas a Seleção deixou de ser aquilo, passou a vencer, passou a ser uma potência mundial e, já agora, o país também já não é o mesmo.
Portugal é, hoje, uma das grandes seleções do planeta. Isso é mérito do nosso futebol, da nossa organização federativa cujo poder vai da Cidade do Futebol até ao mais alto nível na UEFA (ninguém aqui é coitadinho), e da nossa formação. Atrever-me-ia a dizer que a formação é, neste momento, o melhor que o futebol português tem. Mas o que me faz vir aqui falar da Seleção é sentimento. É ter a veia da garganta inflamada de gritar Portugal, de cantar um povo, de vestir Portugal com orgulho e com a arte de um azulejo. Talvez seja de mim, mas parece-me que esse batimento cardíaco baixou ritmo e o orgulho foi com ele. Não me chamem de saudosista, porque não sou. Em matéria de Seleção, estamos muito melhor do que nos anos 90. O que falo aqui é de nós, povo, como parece que não nos conseguimos exprimir em união através da Seleção. Talvez estejamos demasiado fragmentados por clubes, crenças, norte e sul, litoral e interior, país e diáspora.
Olho para o que a Argentina fez nos últimos anos — e não só quando foi campeã mundial — e há ali uma identidade, uma união em torno de uma equipa representativa de um povo, de «um país levantado do chão» por Maradona — palavras dele — e liderado por Lionel Messi e sinto alguma inveja. Na expressão, no sentimento popular, da festa, de River e Boca abraçados de albiceleste. Talvez seja porque num país em dificuldades tremendas, a seleção seja o único motivo de embriaguez nacional.
Portugal, felizmente, é um país melhor e não desejo que piore só para nos unirmos numa emoção. Quero que o país prospere como esta seleção de Martinez é: talentosa, vitoriosa, poderosa, unida e a jogar bem como não via a Seleção jogar mesmo em anos de títulos.
Como equipa estamos a fazer tudo bem, até porque ela já não é «Ronaldocêntrica», no sentido que já não é apenas ele quem tem a ambição de ganhar o universo. Mas talvez ainda nos falte alguma coisa. Talvez nos falte a bancada, a rua, a de nos celebrarmos. Ainda não vejo e sinto isso, apesar de vitórias e exibições. Talvez eu esteja enganado. Oxalá seja só isso."

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