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domingo, 24 de março de 2024

É como no cinema


"O distanciamento custa e custa sobretudo na Seleção Nacional; não é apenas feitio, também é defeito

Foi muito bom ver a Seleção vencer na quinta-feira, de forma tão natural, com tanta qualidade individual e coletiva, a Suécia, que não é uma equipa qualquer; mas também não é assim tão forte que tenha significado a prova dos nove para a seleção orientada por Roberto Martínez — Portugal tem feito percurso fantástico com este selecionador, com 11 vitórias em 11 jogos, mas ainda não jogou contra uma seleção verdadeiramente impressionante.
Menos boa é esta sensação com que fico de que vi um filme bom e agora vou à minha vida.
Passo a explicar: o fosso entre a Seleção Nacional e os adeptos, entre os adeptos e os clubes, continua muito grande e o futebol agora é quase como ir ao cinema ver um filme, que às vezes é mau e outras vezes é bom. Os jogadores e os treinadores são artistas que vivem num planeta à parte, sujeitos ao escrutínio muitas vezes injusto e moldados por estratégias de comunicação perversas.
Se percebo que se trata de uma inevitabilidade tendo em conta o que cresceu esta indústria e a profissionalização ao mais alto nível da mesma? Percebo. Se tenho de aceitar que os clubes optem pelo fecho de portas e janelas e comuniquem pouco (e muitas vezes mal)? Claro que tenho. Mas custa. E custa principalmente e muito mais quando se trata da Seleção Nacional, que entendo ter o dever maior de envolver os portugueses no que está a ser feito, de fazer com que estes sintam a equipa como sendo deles nos vários momentos e não apenas nas fases finais, e mesmo assim, não raramente, apenas quando as coisas correm bem.
Não tenhamos ilusões, não é só feitio, também é defeito.
Pode ter-me passado, mas não me lembro da última vez que a Seleção abriu um treino. E acredito que um aceno do Bernardo Silva, do Rúben Dias, do Bruno Fernandes, um piscar de olhos do Cristiano Ronaldo, um autógrafo do Rafael Leão ou uma fotografia com o João Neves podem representar a conquista de uma criança e levar a uma interpretação completamente diferente nesta relação.
O mesmo nos clubes. Pode ter-me passado, mas não me recordo do último treino que foi aberto aos adeptos do Benfica, Sporting ou FC Porto. Pior, nem aos do SC Braga, Vitória de Guimarães, Moreirense, Arouca, Famalicão, Gil Vicente, Boavista, Casa Pia, Farense, E. Amadora, Estoril, Rio Ave, Portimonense, Vizela ou Chaves.
Pode ser uma realidade transversal na Europa, mas, quando a ideia é chamar adeptos ao futebol, aos estádios, este distanciamento só pode ter consequências. Ou então chega perfeitamente a rotina de comprar bilhete e pipocas e esperar pela sequela.
Correndo o risco de excesso de romantismo, não era suposto ser assim."

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