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terça-feira, 12 de setembro de 2023

Um pós-Ronaldo ainda com Ronaldo


"Capitão da Seleção ganhou a guerra política e mediática, mas dificilmente ganhará a desportiva

Ronaldo vai jogar sempre. Esse é o nome que se mantém indelével, de jogo para jogo, no quadro tático de Roberto Martínez, a não ser que, como acontece diante do Luxemburgo, não esteja disponível. É a maior premissa do espanhol e, se lhe foi imposta, passou a ser sua porque a aceitou. Sempre que vejo, sem surpresa, Cristiano no onze da Seleção pergunto-me para quando se está a trabalhar. E o mesmo se passa com Pepe, outro exemplo. Nunca estará em causa o que um e outro já deram à Seleção e, sobretudo, ao país, ainda mais se tivermos em conta aquilo que o capitão, sobretudo ele, representa fora das quatro linhas.
Não o sabemos ainda, porém, muito provavelmente estaremos a sacrificar algo – consistência, coesão, enraizamento das ideias, resposta imediata de outras opções? – a médio ou mesmo curto prazo, porque o Europeu é no final da temporada que agora começou e o Mundial dentro de dois anos. Um período em que, fundamentalmente, se estará a tentar recuperar o tempo perdido. É muito tempo? Nim! Olhem para a Alemanha.
Atenção: não estou a fazer do capitão o bode expiatório das más exibições. Nada disso, é um problema coletivo, todavia temos de reconhecer que se assemelha, em muitas ocasiões a um corpo estranho na equipa.
Cristiano ganhou a guerra política, ao recuperar o estatuto perdido nas últimas decisões de Fernando Santos – e para isso muito contou com a contratação de um selecionador que respeita egos e estatutos adquiridos, tal como alertei na altura quando analisado o seu passado na Bélgica – e mais recentemente também a mediática, uma vez que foi na realidade ele quem abriu as portas da Arábia Saudita.
‘Se ele vai, por que razão nós não podemos ir também ?’, terão pensado Benzema, Mané e tantos outros que se mudaram para o deserto no verão.
Ao ganhar essa guerra mediática, livrou Martínez do peso de ser constantemente questionado por convocar além de uma liga menor. Contudo, por muito que o queira, e teremos sempre de respeitar a fome que o move, nada intrínseca ao ‘ser português’, dificilmente vencerá a batalha desportiva. Nota-se há muito tempo. Claro que num grupo tão acessível ainda funciona, ainda prolongará a lenda, mas mais uma vez pergunto: estamos a trabalhar para quando? E para jogar contra quem?
É inevitável que ao longo deste texto, e talvez a cada parágrafo, se tenham perguntado com um ‘e o Messi?’ Tal como eles próprios se questionaram um ao outro ao longo da carreira e reforçaram a dialética hegeliana de que é o confronto entre tese e antítese que nos dá o melhor dos mundos, a síntese. Os momentos extraordinários que vivemos de um e de outro nas últimas décadas provam-no com uma certeza quase inabalável.
A minha resposta é simples. O argentino sempre contornou a questão física com um talento inato, enquanto o português se apoiava na dimensão física e na repetição para ser gigante e se prolongar como tal. Além disso, Messi sente-se feliz com a vida, preenchido depois da conquista do título mundial – um menir que carregava às costas desde que o começaram a comparar a Maradona –, e diverte-se nos Estados Unidos, em campo e nas festas com a família Beckham. A Argentina entende-o, protege-o com uma redoma à sua volta e todos beneficiam com isso. Já Ronaldo continua a querer provar ao mundo que consegue ser eterno, mesmo que o faça numa Arábia tonificada. Porque não há forma de combater a idade e também, pela zona do terreno que mais vezes pisa, não há forma de protegê-lo.
O Bicho está muito mais exposto, obrigado a dar resposta continuamente. Está a caminho dos 39 anos, a Pulga fez em junho 36. Por muito que ainda queiramos contar com a máquina que Cristiano Ronaldo foi, tal já não é possível. E se ele não o compreende, alguém tem de lho dizer. E de decidir por ele. Essa terá sido a melhor decisão de Fernando Santos desde o Euro-2016 e acabou penalizado internamente por ela, mesmo que os resultados há muitos anos mostrassem que o ciclo estava no fim. Já a equipa, se não houver Cristiano, terá de se assumir coletivamente em campo. Como já o fez antes.
Entretanto, o melhor jogador da história do futebol português reconheceu o que todos sabem. Pedro Proença acha que não. Ou não quer acreditar. E enquanto isso acontecer, enquanto acreditar ele próprio na propaganda que a sua equipa espalha pelos media e não deixar de ser mera testa de ferro do interesse dos clubes (em nome de um interesse maior), continuaremos a viver diariamente o circo. Mesmo que nos tenham empurrado portas dentro sem bilhete comprado, a fim de preencher as cadeiras vazias e de projetar uma melhor imagem para o exterior."

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