"Aturem-me por algumas linhas e imaginem o seguinte cenário: é a última jornada do campeonato, o clube dono de um estádio já de si anafado, que rebenta pelas costuras a cada duas semanas, é inundado com incontáveis pedidos por bilhetes e o diretor-desportivo confessa, exageradamente se bem que não muito desfasado da realidade, que podiam “ter vendido meio milhão” de ingressos para o derradeiro jogo da época no qual bastaria uma vitória contra um inócuo adversário, a lutar por nada e sentado a meio da classificação, para serem campeões nacionais 11 anos contados desde a última vez. O assalto ao bilhete justificava-se, até os jogadores foram cercados com requerimentos.
Agora visualizem a tragédia, o horror, o desmoronamento vistos no Signal Iduna Park quando o Borussia Dortmund contou mais de uma hora a perder contra o Mainz, não fez mais do que empatar e viu o ansiado prato prateado da Bundesliga ser levantado pelos braços mais habituados a ele, os dos jogadores do Bayern de Munique (11 títulos consecutivos), e projetem hipoteticamente esse cenário no vosso tico-e-teco caso tivesse acontecido ao Benfica, no domingo, em pleno Estádio da Luz a ferver por uma conquista fugida há quatro anos. Não estou a pedi-las, não é isso, a intenção não é ter o correio eletrónico a encher de espumosa raiva a acusar quem vos escreve de ser deste ou daquele clube.
É, sim, a de fazermos um breve exercício prático de vermos passar diante dos olhos o que seria um quadro destes em Portugal, fosse no contexto deste fim de semana ou de qualquer outro ‘grande’ em semelhante cenário: as escavações arqueológicas por erros de arbitragem vistos em jogos ao longo da época, colhidos com pinças, que prejudicaram a equipa numa jogada de uma qualquer partida onde há 1h30 para se arranjar forma de marcar golos; as comunicações de clubes a incentivarem ao entrincheirado ‘nós contra eles’; de programas a magnificarem o que rodeia o jogo e não o que se jogou no jogo; de um clima de guerra a ser alimentado pela necessidade em arranjar culpados exteriores.
Ingénuo me confesso, embora propositadamente, mas, pela manhã, dei uma volta pelas páginas oficiais de Twitter dos três clubes que ficaram logo atrás do Benfica na tabela. Nenhum parabenizou o campeão nacional com o mais fácil dos atos no grande esquema das coisas da vida - escrevinhar uma sucinta e formal frase, polvilhá-la com uns emojis, arrumar o assunto e para o ano há mais. Importaria assim tanto que o tivessem feito? Mudaria algo? Quiçá não, pelo menos para já. Porque em Portugal, qual quê, é provável que tal fosse encarado pelo fanatismo de adeptos como uma amostra pública de fraqueza, de um clube a vergar-se ao adversário. Porém, não o fazendo, a repercussão dessa escolha é maior do que optar fazê-lo publicamente.
O simples gesto seria uma amostra institucional de postura na derrota, um exemplo a ser dado quando se chegou ao fim sem ganhar para, talvez, reciprocamente ver o mesmo a acontecer no dia em que se acabe a ganhar. E reforço: isso pode começar pelo ato equivalente ao gatinhar de um bebé que é escrever uma frase nas redes sociais do clube. Há semanas, a Juventus rendeu-se ao que já parece estar a normalizar-se em Itália, publicando: “Face aos muitos elogios recebidos ao longo dos anos, não pudemos evitar 😁 Parabéns ao Nápoles pela conquista do seu terceiro Scudetto!” Em Inglaterra e mesmo desalentado, Mikel Arteta, o treinador do Arsenal que liderou a Premier League durante grande parte da época não teve problemas em felicitar o campeão: “Congratulo o Manchester City, são campeões, mereceram ganhar”. Até o Barcelona, no ano passado e neste, dirigiu o mesmo comportamento ao Real Madrid quando o rival conquistou a La Liga e a Taça do Rei.
Coincidentemente para me passar a perna, o Borussia Dortmund e o seu momentâneo trauma ainda não o tinha feito para com o Bayern, isto logo no país onde mais se vê os clubes a trocarem mimos e piadas amiúde no Twitter, oxigenando o ar para o tornar mais respirável. Parte do que estará por trás também será interesseiro, alimentar essa interação também engaja as pessoas e gera mais seguidores, o que importa para fins de patrocínios e parcerias. Outra fatia, porém, virá da maior elevação dos alemães em viverem o futebol se comparados com a cultura desportiva em Portugal, pela qual tanto nos lamentamos - mas, ainda em matéria de coincidências, ouvimos esse queixume mais em relação a outras modalidades, ou a cada quatro anos, quando chegam os Jogos Olímpicos.
É mui português tratarmos mal, e pior, de vivermos mal o futebol que mais gente apaixona no país em torno do desporto. Longe está a solução de pertencer só a umas congratulações nas redes sociais, mas o âmago é o mesmo. Se, além dessa presença internáutica, quem fala publicamente sobre isto dos pontapés na bola fizer por se afastar das tricas, dos ódios e da tacanhez de nunca se poder perder porque, simplesmente, se perdeu, talvez os vencedores e os derrotados o possam ser sem complexos. Também no domingo, os milhares que estavam na maior bancada do estádio do Borussia Dortmund, a popular ‘Parede Amarela’ que se precipita atrás de uma baliza, deixaram em lágrimas Eric Terzic, o treinador da equipa responsável pela colossal desfeita pregada aquela gente toda. A razão: no final do jogo, fizeram questão de entoar o seu nome, o do homem que não ganhou que eles tanto queriam ganhar."
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