"Há muito que a sociologia da emigração alimenta a hipótese de que o regresso ao país é mais uma construção mitificada do que uma realidade concreta. No mundo do futebol não é muito distinto. Os jogadores saem, para garantir o futuro financeiro e, já agora, para encontrar quadros competitivos mais interessantes, mas vão sempre deixando cair a ideia de que gostariam de voltar um dia para jogar pelo clube do coração.
Só que a ideia do jogador adepto, destinado a retomar a casa, alimenta sonhos nos seguidores de cada clube, mas nunca se concretiza. Talvez, na verdade, não seja bem assim: há excepcionalmente jogadores que regressam, mas, quando de facto o fazem, e já tarde e serve mais para frustar expectativas do que para devolver a glória em campo.
Durante as últimas semanas não faltaram declarações sentidas de jogadores, demonstrando amor aos clubes de origem. Porventura intensificadas pelo confinamento, certamente ainda mais difícil para quem é emigrante. Na semana passada, numa animada conversa na BTV, três filhos do Seixal não escaparam à tendência. Entre memórias das conquistas de água ao peito, Gonçalo Guedes, Nelson Semedo e Renato Sanches deixaram a promessa: regressar ainda com capacidade de conquistar títulos. Renato afirmou mesmo 'não querer regressar muito velho'. Nélson assegurou que 'gostava de voltar ainda capaz de dar tudo e ajudar' e Guedes confessou que 'podemos jogar noutro clube qualquer, dar o máximo. Mas jogar no clube do coração é diferente. Sentimos amor à camisola e isso faz a diferença'.
Possivelmente, reside aqui a chave para cumprir a promessa de conquistas europeias com base no Seixal. Como resulta óbvio, reter talento é uma impossibilidade, mas talvez haja margem para fazer regressar talento.
Não digo que isso aconteça aos 25 ou 26 anos, mas com a dose certa de ambição e esforço financeiro, o Benfica terá condições para fazer regressar alguns dos jogadores formados no Seixal ainda antes do ocaso das suas carreiras. Não é difícil pensar em algumas soluções criativas que concederiam os incentivos certos para promover alguns regressos (ninguém ficaria chocado se o tecto salarial fosse ultrapassado e se existissem prémios adicionais para contratar jogadores com muitos de Benfica).
Uma equipa madura e com identidade será a melhor forma de continuar a acolher jovens jogadores vindos da formação mas dará também garantias de maior competitividade. Para que tal fosse possível, era necessário afastar de vez o princípio errado de que não se pode contratar jogadores maduros e voltar a dar prioridade ao retorno competitivo. Pode ser que, assim, se cumpra um dia o desejo de todos: vermos aquele que poderia ter sido o melhor lateral-esquerdo da nossa história, Bernardo Silva, finalmente a jogar pela equipa principal."
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