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terça-feira, 9 de abril de 2019

O adeus ao veado branco...

"O Benfica saiu de White Hart Lane com os ombros carregados sob o peso dos elogios. Os ingleses renderam-se. Havia nos campeões da Europa um benfiquismo que lhes corria a cem à hora pelas veias e pelas artérias. A memória nunca prescreve!

Assim, meio despercebidamente, o Tottenham tem uma casa nova. White Hart Lane, o estádio de Londres que tinha uma aura como poucos, terminou a sua existência.
É, se calhar, uma inevitabilidade dos tempos. Os nossos netos ou bisnetos estarão aí para ver cair estes estádios agora novos futuramente substituídos por outros cada vez mais modernos e à medida exigente do conforto dos homens.
Ainda não há muitos anos, o Benfica foi a White Hart Lane vencer por 1-3 numa exibição categórica para a Liga Europa.
Mas há uma visita que fica por entre os mitos para lá de todas as restantes.
O The Lane, como os adeptos dos Spurs lhe chamavam carinhosamente, foi erguido em 1899.
No dia 5 de Abril de 1962, o Benfica estava na véspera de disputar no White Hart Lane a sua segunda meia-final da Taça dos Campeões Europeus.
Na véspera, Béla Guttmann soltara uma frase que abalou o universo encarnado: 'Apresentei o minha demissão no domingo passado. O contrato termina no fim de Maio e, portanto, nada mais tenho a fazer com o Benfica'.
Mas havia de ser, mais uma vez, campeão da Europa.
Nenhum clube lhe deu o prestígio com que o Benfica o rodeou.
Na primeira mão, na Luz, o Benfica vencera por 3-1.
Ian Woodldridge escrevia no Daily Mail: 'Para eliminar uma avanço de dois golos do Benfica (3-1 na Luz), os Spurs devem desencadear uma matança tremenda! A forma como jogaram os seus desafios anteriores sugere isso. Esta noite nada mais lhes pode ser pedido do que a sobrevivência!'
Ah! Mas a águia voava, imperial, sobre os céus da Europa.

A batalha do duende enfarruscado!
White Hart Lane: vem das armas do rei Ricardo II. O veado branco. Neste caso, o beco do cavalo branco, se quisermos ir pelos caminhos da tradução.
'Glory, glory, allelujah!', cantavam os londrinos nas bancadas.
Mas a glória estava do outro lado.
Foi a vitória dos homens tranquilos sobre os homens frenéticos.
O Benfica perdeu, por 2-1, mas voltava à final da Taça dos Campeões.
Mário João e Ângelo: inquebráveis.
Cavém e Cruz: mestres do meio-campo.
Coluna e Eusébio vagabundos.
'Formidável espírito de luta. A invasão inglesa, com fases de autêntica loucura, encontrou pela frente rochas de granito'. Granito bem mais duro do que as Rochas Brancas de Dover, diria eu.
'Lutar, lutar, lutar sempre! Em cada atitude, em cada lance. Na inspiração e na expiração. Por mais gigantesco que parecesse o querer dos ingleses. Serenamente, fazendo o seu jogo. Como onze irmãos, norteados pelo mesmo idealismo - o Benfica corria-lhes a com à hora pelas veias e pelas artérias'.
Era assim o Benfica que derrotou as grandes potências da Europa. Enquanto os adversários eram onze, os encarnados eram um só.
Estavam, por isso, em vantagem numérica.
Quando Águas fez o 0-1, o silêncio caiu sobre White Hart Lane como se estivessem num cemitério.
Laurie Pignon, do Daily Sketch: 'Se eu fosse português, estaria orgulhoso da minha equipa. São campeões e jogaram como campeões'.
David Miller, no Telegraph: 'Nunca houve em Inglaterra um jogo como este! O Benfica foi forte, imaginativo e extraordinariamente versátil. Era evidente, desde o princípio, que se tratava da equipa mais hábil. Que linha avançada, aquela! Com os extremos José Augusto e Simões e aquele duende enfarruscado que se chama Eusébio. No final da partida, ambos os grupos sabiam que tinham estado numa luta gloriosa e ambos se lembrarão dela para sempre, vencedores e vencidos'.
O presidente da FIFA esteve em White Hart Lane. Era inglês. Sir Stanley Rous: 'Os jogadores do Benfica são mestres de futebol; cada um deles é um verdadeiro artista com a bola, sabendo jogar de todos os modos'.
A águia tinha dobrado o orgulhoso inglês. Saiu da Grande Ilha para lá da Mancha carregando aos ombros o peso tremendo de elogios em série. White Hart Lane não existe mais. Outro se ergueu sobre os seus escombros. Mas a memória resta e persiste. Porque, como dizia Iva Delgado: 'A memória nunca prescreve...'"

Afonso de Melo, in O Benfica

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