"Havia um futebol sem televisão, o futebol do jogo jogado no campo, o futebol de lances difíceis interpretados à luz da intuição natural de quem tinha experiência de jogo, o futebol que, visto das bancadas, suscitava sempre mais dúvidas do que certezas. Depois, passou a haver um futebol televisivo, o futebol que foi adormecendo os sentidos do espectador, com lances vistos e revistos nas televisões e analisados por comentadores sem piedade e sem lei, que pareciam pagos para não terem contemplações no assassínio a sangue-freio do carácter dos árbitros. Veio, agora, o futebol do VAR, o futebol jogado nos campos e decidido numa sala da Cidade do Futebol, onde árbitros supostamente qualificados para a função de videovigilância do jogo mais do que aconselhar decidem pelos juízes em função oficial.
É, este, não tenhamos dúvidas, um novo futebol, que nos obriga a uma profunda reciclagem sobre os conceitos básicos da natureza do jogo.
A época tem sido pródiga em discussões sobre a matéria e, podendo dizer-se que todos nós temos uma noção mais ou menos clara da escala de benefícios e de beneficiados, a verdade é que a única conclusão verdadeiramente importante que podemos tirar é de que há uma enorme diferença entre factos e interpretações.
Vejamos o caso de ontem, do jogo com o Benfica, que voltou a criar celeuma. Golo anulado ao Feirense. Não há imagem do operador que nos permita dizer que foi bem ou mal anulado. Ou, se havia, não nos foi mostrada. Penálti assinalado: terá sido, mas não menos do que um segundo penálti não assinalado. O primeiro caso era factual. Os outros dois, interpretação."
Vítor Serpa, in A Bola
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