"Escapou à barbárie da Noite da Camioneta Fantasma, lutou contra Salazar; Não viu o que sonhou: a Taça Latina
1. Vivia-se, então, a hecatombe da tuberculose - e Álvaro Gaspar (estrela maior do Benfica) morreu com ela. A pneumónica ceifou mais de 70 mil vidas - e uma delas foi José Alvalade. No Porto jogou-se futebol contra o tifo - e Sidónio Pais, que assumira o poder em golpe contra a Guerra, andara, por lá, a consolar vítimas. E ele, futuro presidente do Benfica, era um dos seus mais importantes ministros.
2. A 11 de Novembro de 1918 deu-se o Armistício. Se a Guerra apanhara o país doente, deixara-o ainda mais em carestia e balbúrdia. Faltava tudo: carne, peixe, arroz, feijão, leite, carvão, fósforos. Sidónio impediu greves, prendeu sindicalistas - e, por isso, merceeiro que era filho de um antigo vereador do PRP, tentou abatê-lo a tiro, a arma encravou-se. E ele, o futuro presidente do Benfica, num afã continuou tratar das Finanças do país.
3. No Porto acendeu-se contestação ao seu governo. «Vou lá apagar-lhe o fogo» - exclamou Sidónio. Ele, o futuro presidente do Benfica, procurou demovê-lo, mas Sidónio retorquiu-lhe: «Não se preocupe, as balas disparadas contra mim, bem sabe que se encravam». Nessa noite de 14 de Dezembro de 1918, não: o tiro de José Júlio da Costa não falhou (e apanhado pela Guarda, justificou-se: que o matara por não suportar vê-lo rasgar os ideias de 5 de Outubro e «alinhar ao lado dos monárquicos e do clero»).
4. O Congresso elegeu PR Canto e Castro. Convidou Nunes da Ponte (que jogara ténis com Nicolau de Almeida, fundador do FC Porto) para Primeiro-ministro, não o aceitou - aceitou-o ele, o futuro presidente do Benfica. Evitou a restauração da monarquia na Revolta de Monsanto (de que saiu preso Francisco Stromp) mas 35 dias após a posse, manobras de bastidores tiram-lhe a Presidência do Conselho.
5. Chegou-se a 1921 - e a 19 de Outubro, a coberto da «revolução radical», disparou em barbárie do Arsenal a Camioneta Fantasma - com «lista de gente para apanhar e matar»: sidonistas e granjistas (e ele, o futuro presidente do Benfica, era um deles).
6. Dois marinheiros e o guarda 1975 tomaram o comboio no Cais do Sodré. Estavam bêbados, saíram em Oeiras - arrombaram a Casa da Torre, onde ele, o futuro presidente do Benfica, vivia. De carabinas em riste, insensíveis ao choro e à súplica da mulher e dos filhos, levaram-no «para a matança».
7. Súbita vontade de mais vinho, fez com que na paragem de Santo Amaro saltassem da carruagem, com ele, o futuro presidente do Benfica, a rojo - e de arma apontada ordenaram-lhe que os seguisse até à Taberna da Maria Clara. À porta, o guarda 1875 deu com um conhecido que tinha papelaria na Rua da Prata e contou-lhe que após «um copinho» iam «tirar tripas ao traidor, fuzilá.lo». O papeleiro garantiu-lhe que era «bom republicano o homem que tinham» - e, sagaz, pôs ao guarda 1875 duas notas na mão. De olhos no dinheiro e guia no sentido, sentaram-se os três à mesa do canto, iscas e vinho mandaram vir, da missão se desinteressaram - não fora isso e ele nunca teria sido presidente do Benfica.
8. Devido ao envolvimento na revolta contra a Ditadura em Fevereiro de 1927 deportaram-no para São Tomé. Além de coronel, era engenheiro e advogado. Nascera em Macau, onde o pai fora governador - e, em 1911, ala do Partido Republicano pensara nele para candidato a Presidente da República. Amnistia de Salazar (em 1932) repô-lo no exército - e, estando na Terceira como comandante militar, coube-lhe ceder a base das Lajes para o ataque final aos nazis (Por lá se estreitara a sua relação com Vicente de Melo).
9. Era administrador da Carris, quando, em Janeiro de 1947, por demissão de Manuel da Conceição Afonso, passou da presidência da AG para a presidência do Benfica - e levou Vicente de Melo para seu tesoureiro. (Meteu-se com Norton de Matos e Mendes Cabeçadas em acção para destituir Salazar num punch militar - mas a Abrilada de 47 acabou gorada).
10. Foi buscar Ted Smith - e, com ele a treinador, o Benfica evitou o penta do Sporting e arrancou par a conquista da Taça Latina. Não, já não viu esse seu sonho a tornar-se realidade, o destino, cruel, não deixou: a 15 de Dezembro de 1948 morreu de súbito, morreu no cargo (é o único presidente do Benfica a quem tal aconteceu)."
António Simões, in A Bola
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