"Vale a pena continuar a bater no ceguinho? Sim, vale a pena. Primeiro do que tudo, porque o ceguinho é tudo menos ceguinho; e depois (e acima de tudo) porque aquilo que ele representa no futebol vai muito para lá do futebol. É político, só político, exclusivamente político - e não me espantaria nada se o homem não estivesse já a pensar, um dia, lançar-se para a arena política, sabe-se lá com a cobertura de quem (ou sem a cobertura de ninguém, porque não é muito difícil inventar um partido em Portugal).
O que está em causa é político porque a forma como o homem assenta o seu poder naquele clube está há muitos anos escrita na história, teorizada de alto a baixo, diagnosticada, com provas dadas e milhões de mortos no caminho. Chama-se fascismo. Não tem outro nome: fascismo. Porque não se trata apenas de uma forma autoritária de exercer o poder. É uma forma autoritária de exercer o poder que alcança usando as regras da democracia, operando dentro dessas regras - e com o único propósito de as subverter, para não dizer arrasar. Esse é o mecanismo do fascismo. E faz isso falando ao coração de uma ralé violenta, multiplicando discursos de exploração da inveja social dessa ralé, fazendo de tudo uma permanente luta de classes. Dando a essa vasta massa, até agora inorgânica, a ilusão de que são eles que mandam, penalizando a seu bel-prazer os que na organização falham - ou seja, conferindo-lhes afinal um poder que acaba por ser bastante orgânico, portanto instrumentalizável (em favor do chefe), articulável, intimidatório. Um poder que, ainda por cima, tem outra virtualidade (do ponto de vista do interesse do líder): afastar para as periferias os que internamente se indignam mas que ao mesmo tempo pensam que isso não merece o seu máximo empenhamento porque afinal isto "é só futebol". Não, não é só futebol.
Ou melhor: é futebol, mas como terreno propício para que outras coisas bem mais vastas germinem, quiçá se transformem em votos, quiçá escolhendo políticos e quiçá começando também a ameaçar directamente os outros políticos concorrentes (ou do próprio partido que teimem em não ser reverentes ao chefe).
É certo que à credibilidade da organização de que falamos não ajuda o facto de o debate estar polarizado entre um chefe alucinado e dois banqueiros que quase só aparecerem nos jornais nas páginas de assuntos criminais. Mas entre uns e outros haverá pessoas sérias, e são essas que devem avançar. Percebam: é muito mais do que um clube que está em causa.
PS - Morreu António Arnaut. Não foi só o pai do SNS em 1978--79. Foi alguém que em 1973 ajudou muito Mário Soares a criar o PS e alguém que se manteve desde o início bastante bem informado sobre as movimentações dos militares que depois fariam Abril. E foi mais: um político como já há poucos, que não só deixou obra como o fez não ficando no fim nem mais rico nem mais pobre do que era antes da política. Tristes os tempos em que começamos a achar que homens assim são de excepção. Não deviam ser."
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