"Outro dia, na papelaria onde compro os jornais, um homem dizia para outro que um dirigente de um clube estrangeiro qualquer vinha a Portugal falar com eles. “Eles” não eram o que falava e o que estava a ouvir, mas o Sporting. O mesmo fenómeno se passa entre os benfiquistas e os portistas: a ideia que somos todos um clube. “O Benfica somos todos nós” é uma frase que eu, benfiquista, já ouvi arrepiado. Porque eu não sou o Benfica nem o Benfica sou eu. Eu não sou mais que eu próprio, e o Benfica apenas um clube que aprecio, influenciado pelo meu avô, que nem ia aos jogos. Nada mais.
É importante que as pessoas tenham hobbies. O problema é que o único hobby que a grande maioria tem é o futebol. Não há jardinagem, colecção de selos, leitura, pesca, passeios ao ar livre, nadar na praia ou no rio, ver hóquei em patins, que os valha. Só o futebol. E centenas de milhares de pessoas a pensarem e a discutirem a mesma coisa dá nisto: uma irracionalidade que alimenta dirigentes desportivos que, juntamente com os seus comentadores, precisam do ambiente crispado e podre em que vivem.
O facto de tanta gente gostar de futebol está a estragar o futebol porque são demasiados os que vivem o chamado desporto-rei como se não existisse mais nada na face da Terra. E os poucos que não alinham nesta paródia ficam alheados: não têm conversa possível. Quem não tem uma opinião sobre os emails do Benfica, o equilíbrio mental do Bruno de Carvalho ou o ar de malandro do Pinto da Costa não tem conversa, não tem escapatória. Podem até gostar de futebol, mas isso só já não chega.
Um desporto que vingou devido às suas regras lineares, o ser tão simples que não dá azo a discussão: é correr e chutar a bola que o guarda-redes está lá para a tentar apanhar; é o jogo de equipa, a estratégia, o espírito de camaradagem entre os jogadores, a capacidade de puxarem uns pelos outros e não se deixarem afetar pelo mau dia de um. O grupo a apelar ao melhor de cada um, escondendo o pior. Os golos e as grandes defesas, mais os jantares em frente ao televisor, o beber umas cervejas com os amigos enquanto se vê o jogo. Agora, para o conseguir e ter assunto é preciso saber de processos judiciais que eu, jurista, sei que não vale a pena comentar.
Naturalmente, a única forma de alimentar esta loucura é com mais loucura. A discussão vive da discussão, o ódio do ódio. Sem os emails, o Bruno de Carvalho e o Pinto da Costa, os comentadores desportivos ficam com pouco para dizer: foi golo; grande defesa; belíssima jogada; excelente passe; grande treinador. Cinco minutos depois, o programa terminava e os canais noticiosos podiam dar o que se esperava que dessem: notícias. Informação. Mas isso já é pedir muito. Assim como assim, fiquem-se pelos chutos na bola, sff."
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