"Primeiro o céu estava azul e o sol brilhava, radioso. Depois, pouco a pouco, uma névoa ténue foi tornando o ambiente mais cinzento e nem falhou uma brisa fria, prenúncio de males maiores. Que não tardaram. Castelos de nuvens foram-se acumulando e ficou a dúvida se a embarcação, fragilizada pela austeridade que obrigara a uma redução qualitativa da tripulação, era capaz de aguentar tanta agitação. Porque uma coisa é enfrentar tormentas quando se cumprem objectivos, outra é passar por essas provações sem uma dinâmica vitoriosa.
E quando a um vento ciclónico do norte se juntam outras forças, mais a sul, a situação agrava-se. Para a tempestade ser perfeita falharia apenas a chegada de um tsunami inesperado, produto de um terramoto com epicentro em causas estranhas à própria embarcação, qual fogo cruzado a que dificilmente se foge, apenas se aguenta, esperando que passe. Ou não...
Os momentos de crise são sempre testes decisivos à fortaleza das pessoas e à coesão das instituições, e não se resolvem com acções de propaganda ou tiradas demagógicas, superam-se através da consciência tranquila, da consistência do carácter e da força das convicções.
Dito tudo isto, falta recordar que toda a investigação, em qualquer circunstância, é bem-vinda porque o sistema judicial existe para nos defender, nem que seja corrigindo as suas próprias perversões; e por mais que a tentação de fazer julgamentos na praça pública seja levada à prática na sociedade mediatizada de hoje, haverá sempre que aguardar pelo veredicto das instâncias próprias, salvaguardando-se o primado da presunção de inocência."
José Manuel Delgado, in A Bola
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