"A sensação que, hoje, invade os sportinguistas é de profunda angústia. De repente, o sonho torna-se pesadelo e todo o edifício construído de oportunidade e esperança parece desabar.
A notícia boa é que nada é tão mau quanto possa parecer aos adeptos leoninos. É verdade que a época tem as maiores parecenças com uma catástrofe, mas a proximidade dos acontecimentos gera emoções que distorcem a razão de uma realidade menos dramática. É a História, a dos países e a das organizações, que isso nos ensina.
É verdade que o Sporting tinha para a corrente época desportiva expectativas muito altas. Demasiado altas, em meu entender, para um clube que tem vividos nas últimas épocas ao sabor da intranquilidade e da constante mudança. Nunca houve tempo para consolidar alterações estruturais, nunca houve suficiente tempo para pensar o clube de uma forma estruturada, organizada, planeada, tendo por base uma política de gestão com um horizonte mais largo.
Dir-me-ão, tal como o presidente do clube, Bruno de Carvalho tem dito, que de tantos anos perder é, agora, urgente vencer. Não me parece que seja essa a urgência. Esse será, apenas, o desejo emotivo de um adepto, mas não pode ser o primeiro e fundamental objectivo de um presidente.
A verdade é que mesmo que a primeira época de Jorge Jesus na liderança técnica da equipa de futebol do Sporting tivesse tido o sucesso que, aliás, tudo fez para merecer, o Sporting correria sempre o risco de sofrer as consequências de uma ressaca provocada por uma colossal onda de adrenalina.
E foi nesta ausência de uma análise decisiva que o Sporting se perdeu no seu labirinto. A equipa de futebol acabou por ser pensada numa dimensão que o clube não tinha condições efectivas de sustentar. Porque lhe falta ainda estrutura, que nunca se poderá resumir a um líder, por muito activo e autoritário que seja; porque lhe falta a consolidação de uma organização coerente e rigorosa; porque lhe falta uma equipa formada por jogadores realmente adequados ao projecto; porque lhe falta equilíbrio e rigor na definição do espaço de acção do presidente e do treinador; porque lhe falta uma comunicação independente dos ímpetos e das emoções dos responsáveis maiores do clube. Enfim, porque falta plano, organização, estratégia e capacidade de projectar, com serenidade e rigor, a mudança da pequena história do clube nestas últimas décadas.
Com Pedroto e Pinto da Costa, o FC Porto construiu metodicamente a mudança de ciclo da hegemonia do futebol português; com Luís Filipe Vieira, o Benfica foi paulatinamente construindo, modernizando e consolidando um edifício que estava praticamente em ruínas depois da aventura de Vale e Azevedo.
É óbvio que o Sporting tem tido, esta época, uma experiência dolorosa que leva ao sentimento de perda dos seus adeptos e associados. E, quando assim acontece, a necessidade mais primária é a de se encontrar um culpado. O erro torna-se, assim, inevitável, porque não se entende o essencial. A culpa é de todos aqueles que pensaram ser possível chegar ao sucesso através de um combate disparatado e desproporcionado contra tudo e contra todos e não cuidar de pensar numa sólida estratégia de reconstrução de um Sporting ganhador, não apenas num ano ou numa época , pensando, apenas, no êxito do futuro imediato para consagração pessoal, mas num Sporting capaz de aproveitar a sua vibrante e leal massa de adeptos para descobrir a sua maneira de crescer, voltar a ser verdadeiramente grande e assim poder afirmar-se pela sua força, pela sua capacidade, pela sua criatividade, pela sua diferença, impondo aquilo que, hoje, é absolutamente insubstituível no sucesso de uma organização no mundo moderno: conhecimento!
O Sporting tem tido, com Bruno de Carvalho, uma experiência que vai afastando aliados e somando inimigos em todo o caminho. Ninguém conquista o mundo só com inimigos, tal como ninguém o conquista apenas com amigos. Árbitros, jornalistas, membros de orgãos disciplinares, traidores internos, comentadores, políticos, organizações diversas e dispersas foram apresentadas como inimigos a abater. Era Bruno contra o mundo. E isso não desgasta, apenas, o líder que tem de ter resistência e lucidez para comandar um enorme e pesado barco; isso acaba por destruir a tranquilidade interna, acaba por destroçar a resistência psicológica dos jogadores e dos seus responsáveis técnicos.
Não me refiro, apenas, ao catastrófico episódio da cabina de chaves, no sábado à noite. Refiro-me ao uso e abuso da pressão psicológica como um suposto factor agregador de vontade e de consolidação do espírito de equipa.
A relação humana, numa equipa de futebol profissional é das coisas mais complexas que existe num clube ou em qualquer organização. É preciso sensibilidade e bom senso. É necessário reconhecer, como diria Manuel Sérgio, que estamos, de facto, no âmbito das ciências humanas. O objectivo de um líder é que o resultado final seja maior do que a soma das partes. O que todos nós assistimos no Sporting é que o resultado final tem dado uma subtracção do valor real das partes. É essa a razão pela qual, no jogo da Taça, em Chaves, a equipa jogou muito pior. Não foi por falta de vontade, nem por ausência de alma ou de profissionalismo, foi apenas porque as condições e as circunstâncias determinaram que técnicos e jogadores não conseguiram libertar-se de uma pressão psicológica que a todos condicionou e a todos derrotou.
Regressemos, enfim, ao essencial da análise a à solução proposta:
O Sporting não resolverá os seus problemas se os procurar entender apenas à custa de um tempo presente, dessa inútil vulgaridade de encontrar culpados avulsos e dessa infantilidade de atacar o mundo inteiro, de Tramp a Putin, de Merkel a Xi Jinping.
O Sporting tem de ter tempo para ter tempo. Tempo para discutir-se internamente, para se pensar, para entender toda a realidade do clube (histórica, económica, desportiva) e projectar o futuro com base numa proposta que tem de recusar o imediatismo das soluções que julga mais fáceis.
Com Bruno de Carvalho?
A resposta deve ser dada pelo presidente do Sporting e por mais ninguém. Bruno de Carvalho teve qualidades e não apenas defeitos. Qualidades que se viram sobrepostas pelos defeitos à medida que o projecto, tão imediatista e tão baseado na vitória já e a todo o custo, se foi esfumando.
Com Jorge Jesus?
Sim, se Jorge Jesus for capaz de interiorizar que precisa de uma estrutura mais sólida e competente para o ajudar, que não é ele sozinho que fabrica vitórias, tal como não é ele, sozinho, que é o responsável pelas derrotas. Jesus tem de admitir que a sua equipa técnica deve ser mais equilibrada entre a lealdade e o conhecimento, o saber de tudo aquilo que o seu líder, naturalmente, não sabe, ou sabe pouco.
Com estes jogadores?
Sinceramente, julgo que nem todos têm condições para preencher os quadros profissionais de um clube que precisa de ter uma alma de conquista, de humildade, de sofrimento. Essa é uma tarefa difícil e tem de ser cumprida com um rigor absoluto, dentro de um perfil de jogador que deve ser redefinido.
Com esta estrutura?
Não. O Sporting precisa de construir uma estrutura nova e, com a maior urgência, regressar à prioridade da sua formação em Alcochete, uma escola prestigiada em todo o mundo, mas que tem de ser ciclicamente pensada, melhorada, modernizada e apoiada por um investimento que será, sempre, dos mais seguros no retorno.
É muito importante que o Sporting ainda consiga vencer este campeonato?
Não. Naturalmente que os adeptos gostam sempre de vencer, mas, se tal acontecesse, apesar de parecer contraditório, até poderia ser prejudicial, porque adiava as verdadeiras e decisivas decisões do
Sporting do futuro.
O Sporting do futuro não pode continuar a ser pensado no campeão de um ano e de nunca mais. O Sporting tem de ser inteligente e esperto no seu novo crescimento. Tem de ser tranquilo na certeza da sua razão e não emocionalmente caótico, o que só lhe irá trazer destruição de valor.
Fácil de dizer, difícil de fazer? Óbvio. Todas as grandes obras têm de ter projecto, têm de ter plano, têm de ter estratégia, têm de ter conhecimento e, por tudo isso, têm de ter, em cada sector, homens muito competentes para os executar. Nenhuma organização, empresa, ou clube desportivo pode estar à espera de se resolver pela natureza providencial de quem quer que seja. O segredo está na qualidade da equipa. Não apenas a do futebol."
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