"Jogou contra ele três vezes, pelo Benfica, sempre na Taça dos Clubes Campeões Europeus. Viu-o a marcar um hat-trick na final de 1962 e a falhar um penálti em Madrid, três anos volvidos. Recolhemos o depoimento de José Augusto, que jogou nos encarnados entre 1959 e 1970, sobre Puskás, a lenda húngara do Real Madrid que morreu há 10 anos
“Joguei três vezes contra ele. Cruzámo-nos em campo, jogámos uma final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, trocámos camisolas entre todos. Eles tinham um grande respeito por nós, lembro-me perfeitamente. O Puskás era um jogador extraordinário, um fora de série. Era completo, um organizador de jogo com um pé esquerdo que colocava a bola sempre onde queria. Só jogava com o pé esquerdo, mas estava calibrado. Tudo aquilo que ele fazia saía-lhe bem.
Isto é, quase tudo bem. Há um penálti, num jogo contra nós, que ele manda para fora. Foi em Madrid, no segundo jogo dos quartos-de-final da Taça dos Clubes Campeões Europeus (em 1965). Já os tínhamos quase eliminado no jogo do 5-1, na Luz. Os bons também têm direito a falhar, não é?
As coisas, na altura, eram muito formalizadas. Falámo-nos e cumprimentámo-nos dentro de campo, desejámos felicidades um ao outro. Ele tinha acabado de levar 5-1. Eram aquelas conversas de circunstância. Ele falava bem espanhol.
Não troquei de camisola com ele, mas sim com um médio do Real Madrid, já não me recordo quem era. Mas o Puskás jamais será esquecido, é daqueles raros jogadores que o futebol proporciona. No Benfica, falávamos dele antes dos jogos. Era ele e o Di Stéfano, com quem criei uma amizade e, por coincidência, também me encontrei algumas vezes com o Puskás, quando ia a Madrid. O Di Stéfano tinha uma disposição mais ativa, o Puskás era uma figura mais fechada, mas quando tinha que falar, falava bem.
Entre antigos jogadores de futebol, além de um natural entendimento, havia, sobretudo, respeito.
Nos tempos do Real Madrid, tinha uma proeminência relativa, na barriga, em relação aos outros jogadores, sim. A barriga era própria do físico dele, não o afetava absolutamente nada. Ele sabia jogar, e muito bem. Mesmo assim marcava golos, e que golos, muitos à distância. O que gostava mais nele eram as mudanças de flanco que fazia, a partir da intermediária. Ele ia buscar a bola e mudava o flanco para o Gento, era fantástico. Jogava como interior esquerdo, mas era um homem que percorria todo o meio campo, o dele e o do adversário.
Para mim, o Di Stéfano foi um jogador mais completo. A atacar, a defender e a organizar. Tinha uma condição atlética extraordinária, jogava bem de cabeça, e tudo era bonito nele. O Puskás era mais pragmático. Tinha menos jogadas individuais que o Di Stéfano, mas eles completavam-se. Mas o Puskás teria sucesso em qualquer clube e em qualquer tipo de futebol.
As suas características eram espontâneas, de muita visão de jogo. Eram jogadores que marcavam muitos golos, nisso eram iguais. A partir de determinada idade, o Puskás começou a ser mais organizador. Eu, por exemplo, fazia os 100 metros em 13 segundos aos 20 anos, mas, com 30, já não os fazia. Passei a ter mais preponderância, mais tendência para organizar, passei a estar mais no meio campo, deixei de estar agarrado à linha, quando tinha velocidade, destreza na condução de bola e drible. É evidente que, a partir dos 28 anos, as coisas vão diminuindo.
O Puskás chegou ao Real Madrid com 29 anos e continuou a ser um grande jogador. Disputou imensas finais da Taça dos Campeões. Antes de ele chegar a Espanha, apenas o conhecia de nome. Só tinha conhecimento de equipas húngaros pelos jogos que fazíamos contra elas ou quando tínhamos digressões. Mas a explosão do conhecimento, do saber quem era o Puskás, é no Real Madrid. Ele revela-se quando se depara com campos mais exigentes dos que tinha no campeonato húngaro. Ele vai para Espanha quando há um problema político na Hungria e começa a deslumbrar a Europa com o seu jogo. Até acabou a jogar na selecção espanhola.
Quem era melhor, o Di Stéfano ou o Puskás? É como o Ronaldo e o Messi. São dois grandes jogadores com características totalmente opostas. É sempre difícil de definir. Gostava era que eles ainda jogassem os dois juntos, para vermos, como os outros o fizeram. O Puskás tinha lugar em qualquer equipa, ao lado de qualquer jogador, sem dúvida. Por exemplo, joguei na seleção da Europa que deu sete na Jugoslávia com jogadores que nunca tinham jogado juntos.
É um jogador que vai ficar sempre na história do futebol.” "
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