"Festival Internacional de Ginástica de Burstadt, Alemanha, 1979. Cerimónia de abertura no exterior do pavilhão. O fogo-de-artifício era a apoteose daquelas horas de excitação e felicidade para todos os participantes. Junto à Classe Especial de Homens do Ginásio Clube Português, de que eu era o responsável, muitas das 40 integrantes da delegação israelita, entre os 16 e os 18 anos - após esta idade elas e eles iam cumprir serviço militar - choravam de medo, agarradas umas às outras. Disseram-nos depois que o rebentar dos petardos as remetia para as bombas e tiros frequentes no seu país. Todos nós, portugueses, especialmente os jovens ginastas, constatámos que havia um mundo bem diferente e perigoso do que conhecíamos em Portugal.
Na noite anterior, as delegações de Israel e Portugal, onde também estava a conhecida classe sportinguista Canarinhas, tinham estado juntas numa festa. Permanentemente alerta, vigiando o local e o exterior, andavam dois israelitas, simpáticos e de trato fácil, sempre com um saco ao ombro. Estabeleceram-se amizades internacionais e trocaram-se camisolas. Passados dois dias viam-se portugueses com camisolas israelitas e vice-versa. À noite, um dos homens do saco chamou-me à parte, dizendo-me que, sendo nós já amigos, ele tinha a obrigação de avisar-me do perigo que corriam os portugueses ao usarem ali as T'shirts com símbolos hebraicos. Pediu-me que apenas o fizessemos em Portugal. Estávamos no pós-massacre dos atletas israelitas nos Jogos de Munique-1972.... Agradeci-lhe, dando-lhe uma pancada amigável nas costas onde senti uma arma por baixo da camisa que usava por fora das calças...
Na época era uma situação extraordinária quase limitada aos israelitas. Passados 37 anos, qualquer evento desportivo internacional é rodeado de um ambiente de alerta e risco constante. Atletas e público estão sob ameaça. O mundo piorou. É assustador. Mais ainda porque tendemos a habituar-nos."
Sidónio Serpa, in A Bola
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