"Em Março de 2010, a Europa do Norte ficou às escuras. O fumo do Eyjafjallajokull tapou o céu e deixou os aviões em terra como pássaros tristes. Será mais difícil pronunciar este nome ou derrotar a Islândia?
Marselha - Aí estamos nós outra vez! Eu diria que o Tempo (assim mesmo, com maiúscula) viaja à velocidade da luz, isto é, mais coisa menos coisa, a trezentos mil quilómetros por segundo. E não o digo por graça nem por chalaça. Ainda há pouco, há vinte aninhos bem contados, fui de malas às costas, primeiro para a Irlanda, num estágio de uma semana, depois para Inglaterra e para o Europeu de 1966 («Football is Coming Home») no qual Portugal procurava repetir um pouco da brilhante façanha de 1984, em França.
Pois é - até 1996, só por uma única vezinha havia a «Equipa de Todos Nós», como lhe chamou um dia o grande Ricardo Ornellas, nome cada vez mais injustamente esquecido nas páginas dos jornais contemporâneos, se tinha qualificado para uma fase final de um Campeonato da Europa das Nações, segundo a designação no patriarca, o francês Henri Delaunay que já em 1927 sonhava com a competição que só veria a luz, serôdia, em 1960. Aqui desmonto-me logo nos segundo parágrafo: o Tempo às vezes também passa devagar. Razão tinha o Baptista Bastos quando falava de um Portugal sempre à espera na paragem do eléctrico da História.
Prossigamos. Em 1966, Portugal fez contas com a Dona da Pensão da Vida. De aí até hoje, não mais falhou a presença na fase final de um Europeu, e já lá vão seis. Este escrevinhador que vai partilhando páginas com leitores tão bondosos como pacientes, passou por todas. Mais intensamente, ou menos; mais por dentro, ou mais por fora, mas já se encontra em França, em Marselha no caso, para adiantar semana a semana, no seu jornal, o que se vai por cá passando.
Diria que em nenhum desses cinco Europeus pelos quais atravessei a pena ou o besunto, deixou de haver um Portugal de sofrimento. Vamos lá por partes e pelo princípio (e deixo de fora o sofrimento da meia-final contra a França no Euro-84). Inglaterra teve tudo para ser brilhante e ficou-se pelo quase: uma derrota mal amanhada com a República Checa no chapéu de um tal Poborsky que não tardou a vir para a beira Atlêntico ganhar a vida. Holanda e Bélgica foram palco de uma Selecção Nacional estrepitosa como poucas (ufa! Aquele Inglaterra-Portugal de Eindhoven!!!) mas a prova terminou tristemente na meia-final contra a França (irra que é pirraça!) do «penalty» do Abel Xavier e das expulsões de Paulo Bento e Nuno Gomes. Estive lá, em Bruxelas, nesse jogo maldito. E dois dias depois no Luxemburgo apontando no bloco notas a decisão do Comité Disciplinar da UEFA. Triste.
E agora, a Islândia...
Veio o 2004. O Europeu português. Os alegres dias do país triste. Tanta alegria desperdiçada! «Uma espinha de silêncio atravessada na garganta», podia ter dito a propósito Eugénio de Andrade.
Tropeçou Portugal na gota de água, como no tempo em que voltava a ter medo da derrota. Estive lá, também, nessa selecção de infinitas amizades, na noite mais longa de todas as noites. Ninguém nunca o esquecerá. É impossível! Mas vieram outros jogos e outras noites. Outros meses de Junho, sempre nos meses de Junho.
Quatro anos mais tarde, o sofrimento teve a aura teutónica de quem prefere conquistar com sangue o que se pode ganhar à custa do suor. Em Basileia, Portugal não resistiu à Alemanha nos quartos-de-final mas, pior ainda, foi a queda em Donetsk, nas meias-finais (outra vez!), decidida em pontapés de grande penalidade frente à Espanha.
Não sei quando chegará o dia de Portugal ser, finalmente, campeão da Europa. Não acredito que, por maior que seja a fé, haja quem possa adivinhá-lo. Sei que na próxima terça-feira, dia 14 de Junho, pelas 21h00 francesas pois então, a Selecção Nacional entrará no Estádio Geoffroy Guichard, em Saint-Étienne, para dar início à sua sétima participação numa fase final de um Campeonato da Europa. Nas seus anteriores estreias, uma maçadora contabilidade, duas vitórias, dois empates e duas derrotas. A última, em Lviv, na Ucrânia, foi face aos alemães.
O adversário chama-se agora Islândia, país mais famoso pelos seus impronunciáveis vulcões (conta com cerca de 130) do que pelo futebol que pratica. Em 2010, a Europa ficou às escuras. O fumo tapou o céu do Norte e os aviões ficaram em terra como pássaros aos quais cortaram as asas. O responsável pelo transtorno chama-se Eyjafjallajokull...
Malcolm Lawry escreveria: à sombra do vulcão...
Eu aceito. E lá estarei!"
Afonso de Melo, in O Benfica
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