"O Jesus devia saber que isto de falar mal de um clube é mais ou menos como quando falam mal dos nossos filhos. A nós, pais, tudo nos é permitido. Podemos mandar-lhes um par de berros. Podemos dizer que não sabemos a quem é que saem assim tão preguiçosos. Podemos dizer que são chatos e insuportáveis, que não têm maneiras ou que não são das cavernas para comerem com as mãos, raça dos miúdos. Em casos mais graves podemos até ameaçar com uma palmada bem aplicada, que acaba-se já aqui a brincadeira e se é para chorar, choras com razão. Mas ai de quem ouse apontar o dedo a um filho nosso. Viramos feras, pomos logo as unhinhas de fora, era o que faltava, virem agora falar mal do nosso anjinho barroco, esta doçura de criança, esta coisa mais querida, este poço de bons modos.
Com os clubes é o mesmo. Nós, os adeptos, podemos dizer tudo. Que os jogadores são uma vergonha. Que não jogam um caralho. Que não orgulham a camisola que vestem. Que eles é que ganham milhões e nós é que nos enervamos. Que o treinador já devia estar na rua, isto é lá homem à altura do nosso clube. Que o presidente é um incompetente. Que vão mas é todos levar num sítio onde o sol não brilha. Nós podemos dizer isto. Isto e muito mais. Porque o clube é nosso, a paixão é nossa, as alegrias e as dores são nossas. Mas não se metam connosco, meus amigos, que aí já é cutucar a onça com vara curta. E o Jesus, que é pai, devia saber disto.
Ao longo da época
, a cada jornada que passava, lá vinha ele falar do Benfica. Carregado de sobranceria, com o ego insuflado. A falta de humildade já todos lhe conhecíamos, a de carácter é que não. Bem sei que ele treinou o meu clube seis anos e agradeço, do fundo do coração, por tudo o que nos ajudou a conquistar. Mas o Benfica também fez muito por ele, isto não foi uma relação unilateral. E também por isso se esperava mais. Ou, neste caso, menos, muito menos. E, neste caso, dizer menos era respeitar um clube com a dimensão do Benfica. Era respeitar os adeptos, era respeitar um colega de profissão. Toda a gente ouviu. O Jesus fez questão que toda a gente o ouvisse dizer que o Benfica não tinha treinador, que ele é que era o cérebro da equipa, que o Rui Vitória não tinha andamento para o Ferrari, e tantas outras alarvidades, que culminaram com a total falta de fair-play que se viu ontem, em que não só não foi capaz de dar os parabéns ao Benfica como ainda conseguiu vir dizer que ele cria e os outros copiam. A azia, de facto, transtorna as pessoas.
Mas o ego do Jesus não só estava inchado como estava a ser alimentado por um presidente lunático, arrivista e incendiário. Uma combinação explosiva que não o deixou ver o desastre a aproximar-se. Quando se deu conta já estava a ser atropelado pelo tal Ferrari. Ao mesmo tempo, o presidente do Sporting alimentava as redes sociais semana após semana. Fomentou uma rivalidade e um ódio nunca antes vistos entre os dois grandes. Das picardias divertidas e saudáveis passou-se para uma agressividade patética e inexplicável (no fundo, aquilo que ele é).
Do outro lado, o Benfica ia fazendo o seu caminho, em silêncio e com humildade. Começou mal, é inegável. Ainda me doía a traição do Jesus e achei (e disse) que o Rui Vitória não era treinador para nós. Demasiado apagado, demasiado passivo e sempre com aquela atitude muito católica e abnegada de levar um estalo e dar sempre a outra face. Termos perdido tantos pontos logo no início da época também não ajudou, menos ainda perder três vezes com o Sporting. Acho que não exagero se disser que uns 90% dos benfiquistas pensavam "se formos à Europa já não é mau".
O que me levou algum tempo a perceber foi que as coisas agora eram diferentes, que tínhamos um treinador com uma postura completamente diferente, que as respostas se dão no fim e que a revolução já estava em marcha, qual 25 de Abril da segunda circular. E que de cada vez que o Jesus ou o Bruno de Carvalho diziam uma parvoíce qualquer, isso só nos dava mais força. Os jogadores uniram-se como nunca, os adeptos também. Pessoalmente, nunca fui tantas vezes ao estádio como este ano, nunca vivi os jogos com tanta emoção. Se vier a ter problemas cardíacos, ao Benfica os devo, que estes últimos dez jogos foram de uma pessoa evocar todos os santinhos disponíveis no menu. E por isso este campeonato tem um sabor tão especial. Porque é o terceiro consecutivo mas, sobretudo, porque já nos tinham feito o funeral em Dezembro e conseguimos dar a volta.
Estivemos a oito pontos e acabámos dois à frente. Poupem-me o discurso do colinho, vá lá, eu sei que conseguem melhor. TODOS são beneficiados, TODOS são prejudicados. O que aconteceu foi brio, dedicação, raça, paixão, mística e uma vontade louca de querer ser campeão. Se os sportinguistas também mereciam? Claro que sim. Foram combativos, foi o Sporting com mais qualidade das últimas temporadas. Mas depois têm aquele treinador, aquele presidente. E esses não merecem nada. Aparentemente, a única coisa que conseguem é virar o feitiço contra o feiticeiro e instigar tanto o adversário ao ponto de conseguir fazer com que lhes roube o campeonato. Obrigada, belo trabalho.
Não há palavras para descrever a festa que se fez ontem na Luz e depois no Marquês. A festa que já se vivia a cada semana, com todo o apoio que se dava à equipa, mas que acabou assim. Com um título que nos custou sangue, suor e lágrimas, mas que é nosso por direito. Foi o descomprimir de uma época de tensão que não podia ter acabado da melhor maneira.
Porra, é tão bom ser do Benfica."
Faço suas as minhas palavras, sem tirar nem por! Excelente resumo desta (espetacular) época do Glorioso.
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