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terça-feira, 5 de abril de 2016

O 'novo' Benfica

"Perdoar-me-ão os benfiquistas por acreditar pouco na possibilidade de sucesso nesta complicadíssima eliminatória com o Bayern - e o superlativo justifica-se em face do enorme potencial do emblema bávaro, unanimemente reconhecido. Creio, neste ponto, estarmos de acordo, o que não significa a condenação da águia antes de ser presente a julgamento: não há vencedores antecipados. Não sei que Benfica irá apresentar-se logo à noite, em Munique, mas confio que será diferente do que lá jogou em Novembro de 1995 há 20 anos, portanto, em que, aí sim, de véspera já se adivinhava o seu desfecho. Era tempo ainda em que o frio emergia como um dos muitos fantasmas que durante gerações entorpeceram mentalidades no futebol luso, com incontornáveis reflexos na deficiente resposta dos praticantes aos desafios que a competição lhes colocava.
Nos treinos oficiais, com temperatura baixa, mas sem neve, enquanto o pessoal do Bayern trabalhou com entrega e entusiasmo, no lado do Benfica, além de mil cuidados para ninguém se magoar ou constipar, gente houve a quem só faltou levar sobretudo ou nem sequer ter deixado o conforto do balneário com o argumento sempre válido de estar em tratamento. Na qualidade de enviado especial de A BOLA escrevi um texto, que mereceu chamada de primeira página (21 de Novembro de 95), com o título «Benfica à beira do abismo».
Não era preciso esperar para ver, estava na cara que as coisas iriam correr mal. É claro que no dia seguinte ganhou quem mais correu e se esforçou, simples. Depois, durante a conferência de Imprensa, com paciência de santo e infinda educação, Mário Wilson, que substituíra Artur Jorge no comando técnico, suportou as questões/provocações que os jornalistas alemães, por entre risadas deselegantes e copos de cerveja à discrição, o massacraram.
A tudo resistiu, com serenidade, sem se dar conta, na altura, dos motivos que conduziram a tais sinais de exuberância. Para eles, mais do que a vitória, o que verdadeiramente mereceu ser festejado foi o significado que atribuíram a essa mesma vitória e a explicação deu-a Pep Guardiola agora, ao confessar respeito e admiração pela história do Benfica e pela força do seu nome (um dos que têm mais adeptos no mundo). 

Vinte anos depois o Benfica volta a Munique como clube do G8 da Liga dos Campeões, embora com fraca cotação nas casas de apostas. É a realidade. Não vale a pena iludi-la, nem sequer dar-lhe a relevância que julgo não justificar, na medida em que este jogo deve ser encarado como um passo mais no processo de mudança em curso, o qual, sempre numa perspectiva de engrandecimento de instituição, visa reconquistar o lugar entretanto perdido na elite europeia: a tal história a que Guardiola alude. Contra ventos e marés, ignorando ruídos e invejas, resistindo a críticas severas, Luís Filipe Vieira sabe que vai ganhar esta batalha, na sequência de tantas outras que já travou, seguramente bem mais duras. Nesta situação em concreto deu-lhe mais trabalho sacudir a poeira que levantaram do que propriamente iniciar uma empreitada que só precisa de tempo para se afirmar, sendo certo que ao contrário do que se passa com outros, Vieira alcançou já um patamar de suficiente estabilidade para não se sentir prisioneiro, nem ele nem o clube, de um resultado ou de um título.
Este novo Benfica nada reclama de transcendente: mais exigência competitiva com moderação nos gastos, valorização do investimento realizado na infraestrutura do Seixal, aposta mais regular e competente nos jovens da formação e, como o presidente sublinhou na cerimónia de assinatura do contrato com a Fly Emirates, recuperação do estatuto de gigante europeu que foi edificado na década de 60 e se perdeu em 1990 (última final na Champions, em Viena).
O que mudou, então? O eu desapareceu para dar lugar ao nós, principal factor de união da família benfiquista, de que o último jogo com o Braga constituiu exemplo sublime, e foi contratado um treinador que percebe a dimensão mundial do emblema da águia."

Fernando Guerra, in A Bola

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