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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O irmão branco de Eusébio

"Eram irmãos gémeos. Falavam por sinais, como se a vida fosse um jogo de bisca. O Nuno achava sempre graça ao que o Eusébio dizia, ao que Eusébio fazia. Abria o sorriso quando estava com ele e os seus olhos eram os olhos de um irmão orgulhoso. A amizade do Nuno Ferrari e do Eusébio era indestrutível. Estava acima dos homens e deste mundo de rancores e de invejas. Juntos eram um. O Nuno com a máquina, o Eusébio com a bola. Cada qual conhecia, como as palmas de suas mãos, o melhor ângulo do outro. Às vezes, nesses intervalos de vida que permitem vagares, trocavam silêncios como se dissessem palavras. De outras vezes, quando a paixão frenética que Eusébio sempre teve pelo jogo de futebol se desenrolava na tela verde dos estádios, o Nuno vivia em frenesim pela melhor foto da sua vida, que sempre ficou por tirar. Por fim, o jogo terminava, o Eusébio seguia para o duche e o Nuno corria para o seu pequeno automóvel, arrancando a toda a velocidade na direcção do Bairro Alto. Era o tempo em que os carros pequenos cabiam em todas as pequenas esquinas da rua Diário de Notícias e as nossas vizinhas da vida nocturna nos avisavam da presença impertinente dos chuis. O Nuno subia esbaforido a velha escada do 23 da Travessa da Queimada, o suor a escorrer-lhe pela cara, as calças (mesmo com suspensórios) deslizando pela barriga, as rugas mais marcadas pelo desespero da hora urgente. Depois a redacção debruçava-se sobre a arte derramada a preto e branco e deslumbrava-se a ver o Vítor Santos na escolha da melhor fotografia do Eusébio para a primeira página de A BOLA. Quando o Nuno achava que a foto era digna de Eusébio, voltava ao seu pequeno estúdio, fazia cópias e guardava-as num envelope para, depois, lhas entregar. Ficava, então, a vê-lo, embevecido, a olhar o espelho do seu talento. Eusébio pagava sempre com um sorriso único, que é como se devem pagar estas lembranças. E se hoje, dia em que Eusébio cumpre 70 anos de vida, seria dia para eu homenagear Eusébio, achei, assim, preferível, por dever de memória e de companheirismo, falar-vos dessa história que ainda ninguém escreveu, de dois irmãos de alma gémea que, como se sabe, não tem idade, nem cor."


Vítor Serpa, in A Bola

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