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terça-feira, 23 de setembro de 2025

Um sonho de menino


"Em tempos de incerteza, tempos de campanha eleitoral no nosso clube de coração, onde há apoiantes de um lado contra apoiantes do outro lado e que, por vezes, não veem que há um interesse maior do que se insultarem, deixem contar-vos uma história:
No final da tarde, quando o sol descia sobre Lisboa e tingia de cobre as fachadas, um pai e um filho regressavam do Estádio da Luz. Eram meados da década de noventa, e no coração do pai pesavam tanto as derrotas como a sombra das dificuldades financeiras que cercavam o clube da sua vida. Cansado, desiludido com a deriva desportiva e com a incerteza que pairava sobre o futuro, decidiu afastar-se. Com a mesma mão que tantas vezes erguera para aplaudir, deixou de erguer o cartão de sócio; deixou de pagar quotas, como se o silêncio fosse a sua última forma de resistência.
O filho, pequeno, olhou-o com uma gravidade inesperada na sua idade. Não compreendia o peso das dívidas nem as engrenagens que consumiam o clube, mas sabia que aquele gesto representava um rompimento com algo maior do que ambos. Foi pedindo ao pai para que, ao menos, fosse pagando as suas quotas, sempre com a negação do seu progenitor. Então prometeu, com a fé que só a juventude conhece: um dia pagaria ele todas as suas quotas em falta, um dia restauraria essa linhagem de fidelidade, para que o sangue que lhe corria nas veias não deixasse de pulsar também no coração do Benfica.
Uma década passou, e o filho decidiu, novamente, fazer parte do clube do coração, inscreveu-se como sócio, começando do zero a sua vida associativa, tendo sempre em mente a promessa que um dia fizera a seu pai: "Um dia pagarei as minhas quotas que um dia deixaste de pagar!!"
Quase três décadas passaram sobre aquele fim de tarde em Lisboa, e a promessa resistiu como uma brasa escondida debaixo das cinzas. O filho cresceu, trabalhou, tropeçou, ergueu-se. Teve de aprender que a vida é feita de esperas longas e de pequenas conquistas. Mas nunca esqueceu aquele pacto secreto. E quando finalmente teve meios, regressou à Luz não como espectador casual, mas como herdeiro e guardião de um compromisso antigo.
Pagou cada quota, uma a uma, como quem resgata memórias. Ao fazê-lo, devolveu, a si mesmo, a dignidade de sócio e recuperou para si o peso e a leveza de pertença. Devolveu ao seu pai aquela promessa: "Pai, paguei as minhas quotas como te havia prometido, paguei 10 anos de quotas para recuperar a minha antiguidade de associado". Naquele instante, percebeu que não se tratava apenas de futebol, mas de uma herança afetiva, de uma chama que se acende de geração em geração. E assim, entre passado e futuro, pai e filho reconciliaram-se no mesmo lugar: nas bancadas de um dos maiores clubes do mundo, onde a promessa se cumpriu e o sonho encontrou a sua morada.
E é então que, ao olhar para trás, compreendo a dimensão silenciosa daquela promessa infantil. Porque aquele filho, aquele menino de olhos deslumbrados diante da Luz mesmo quando o mundo à sua volta parecia escurecer, cumpriu um sonho de menino. Foi a teimosia em acreditar que o amor não se suspende, apenas adormece, que devolveu ao seu nome o direito de voltar a chamar-se, com orgulho inteiro, sócio do Sport Lisboa e Benfica. É agora, ao escrever estas linhas, que vos confesso: aquele filho, aquele menino, era eu."

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