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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

90 minutos de silêncio pelo futebol português


"Nem sempre acordar com a casa gatafunhada é motivo para desespero. Às vezes, é mesmo uma grande sorte. Banksy, o artista anónimo que usa as paredes como tela e reclama nas redes sociais a autoria dos desenhos, tem o hábito de ser inesperado na maneira como critica a sociedade em desenhos que rodeiam os muitos defeitos da mesma. Uma das suas obras de referência é um pouco mais que rabiscos. Trata-se de um parque temático chamado Dismaland. A distopia baseia-se nos safáris de princesas e figuras de animação que se empolgam para lá dos ecrãs através de pessoas que se disfarçam delas. A proposta de Banksy é “imprópria para crianças” e, entre referências a temas como a crise de refugiados ou os efeitos nefastos do capitalismo, está a carruagem da Cinderela espatifada.
A versão fantasiada é mais atrativa para o público jovem que sonha conhecer pessoalmente as personagens dos universos mágicos. Ian Cathro prometeu à filha que a levaria à Disneyland numa data FIFA, em que o Estoril não tivesse compromissos devido à pausa para os jogos de seleções. “Não vou poder porque prometi levar a minha filha a ver o Mickey Mouse.” Foi a maneira do treinador que fala português sem papas na língua criticar a demora na divulgação dos horários das próximas jornadas do campeonato. A oito dias do começo da terceira ronda, a Liga Portugal divulgou os horários da mesma. Para azar de Cathro, que queria organizar a vida familiar e desanuviar deste cenário pouco encantado, o duelo com o Santa Clara só se realizará em setembro, momento que tinha reservado para outros planos.
A complicação deve-se aos compromissos europeus dos açorianos, envolvidos na luta pela entrada na Liga Conferência. Conjugado com outros fatores, Ian Cathro tem razões para, com todos os azedumes, ter disparado nas críticas. Afinal, na quarta jornada, o Estoril visita o Tondela em parte incerta. Os beirões receberam o Famalicão em Rio Maior, a mais de 200 quilómetros do Estádio João Cardoso, com uma relva indigna que não se sabe se estará em condições para o segundo jogo em casa da equipa de Ivo Vieria. “Acho que já marcámos quatro hotéis porque não sabemos onde é que vamos jogar com o Tondela”, desabafou o escocês. “Estou sempre a defender a qualidade do futebol português. Às vezes, é mais fácil. Às vezes, é mais difícil. Hoje, é mais difícil.”
É interessante imaginar alguém virgem de preconceitos a ligar a televisão e a cruzar-se com um jogo do campeonato português. Essa pessoa certamente não perderia tempo a mudar de canal. O futebol nacional é um produto tão tenebrosamente embalado que dificilmente é aberto para se provar o que está lá dentro.
Voltando ao caso do Tondela-Famalicão. Na antevisão, Hugo Oliveira também pediu o livro de reclamações e nele apontou julgamentos sobre a hora do encontro. "A DGS e o SNS dizem para as pessoas evitarem estar ao ar livre até às 17h. O Famalicão é um clube que pensa a beleza do jogo e que sabe que o jogo é para os adeptos. É incompreensível que se jogue às 15h30 quando nós queremos idosos e crianças no estádio. Temos que olhar todos mais para o que é a beleza do jogo. Temos que ser honestos e dizer que a qualidade não será igual.”
A partida decorreu num ambiente assombroso com 532 espetadores a tentarem fazer frente a um numeroso exército de cadeiras desimpedidas a tomar conta da paisagem. Por cá, não se faz um minuto de silêncio. Em estádios vazios, o luto prolonga-se durante 90’. Na temporada passada, dez das 18 equipas do campeonato terminaram a temporada com menos de 4.000 espetadores de média, uma realidade que parece imutável.
Antes do arranque do campeonato, a Liga Portugal lançou o "Meta 2028", um plano autodenominado de “ambicioso” onde constam as diretrizes rumo ao top-6 do ranking da UEFA. Fala-se de “aumentar receitas de bilhética”, de “crescer como um todo” e outras velhas promessas como “diminuir o número de faltas” ou a existência de “mais tempo útil de jogo”. Num país em que a relevância internacional parece ser um exclusivo das equipas que mais frequentemente estão presentes na Liga dos Campeões, as outras consolidam-se como marcas sem qualquer potencial de crescimento. Continuam a ser cometidos erros atrás de erros que remetem um ninho de talento ao estatuto de causa perdida."

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