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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Em terras de '6' quem tem um '10' é rei


"O futebol mudou. É uma das frases mais ouvidas, senão a mais ouvida, nos dias de hoje. A velocidade de jogo aumentou, o que obriga a tomadas de decisão em frações de microsegundos. Há cada vez menos espaços fruto de uma maior preocupação defensiva, que leva a uma maior compactação entre setores e também isso obriga a que as decisões sejam tomadas em microsegundos. A intensidade, esse termo mítico e místico, também aumentou fruto da conjugação dos factores já enunciados e de uma nova abordagem no que ao lado físico/atlético do jogo diz respeito, levando a que a tomada de decisão tenha de ser supersónica.
Somemos a isso o «importante é ganhar, não importa como» em detrimento da preocupação com a qualidade de jogo apresentada e da valorização do espetáculo (sim, o futebol ainda que seja um negócio não pode deixar de ser um espetáculo) e eis que chegamos a uma era em que o '6' é mais vezes alvo de marcação individual do que um '10'. Porque a construção ganhou outra preponderância na organização ofensiva de muitas equipas (e ainda bem, a meu ver) e porque o '10' primeiramente foi ostracizado para os corredores laterais e ultimamente já nem nos flancos são uma peça fácil de encaixar no puzzle tático das equipas.
Não faltam exemplos que ajudam a corroborar este argumento. O que poderá faltar são argumentos que justifiquem o porquê de os treinadores não quererem apostar convictamente no '10' dentro das suas ideias e dos seus modelos de jogo - o zerozero publicou AQUI uma reportagem sobre o tema.
Especialmente quando outra das frases mais ouvidas nos dias de hoje, tantas vezes proferidas pelos treinadores que se «queixam» da mecanização e da falta de magia e criatividade no futebol, é «o futebol está cada vez menos criativo e mecanizado».
Desde os meus tempos de iniciação ao futebol que ouço dizer que «quem ganha o meio-campo ganha jogos», que «o meio-campo é o motor de uma equipa» e que «um meio-campo equilibrado é meio caminho andado para a vitória». Num futebol cada vez mais coletivo e em que a interação intersectorial se assume como fundamental nos momentos de organização e transição, penso que estas afirmações ganham ainda mais relevo, pois uma equipa «sem meio-campo» é uma equipa desligada entre si no momento ofensivo e sem qualquer tipo de proteção no momento defensivo.
O que me leva ao último Campeonato da Europa de Futebol. Um campeonato ganho pela seleção com melhor ideia e modelo de jogo. Um campeonato ganho pela seleção com melhor gestão de recursos humanos por parte do seu selecionador. Um campeonato ganho pela seleção cujo '6' foi mais marcado e mais determinante (daí ter sido o melhor jogador do torneio) do que qualquer outro jogador que participou no Euro 2024. Um campeonato ganho graças à entrada de um '10' para a posição '10' em detrimento (por lesão) de um '8' (ou 8,5, se quiserem) que em momentos de organização ofensiva desempenhava as funções de '10'.
Sem qualquer tipo de crítica ao talento e à qualidade de Pedri, um dos médios que pode vir a marcar uma geração nos próximos 15 anos de futebol mundial, foi com a entrada de Dani Olmo que a Espanha passou a ser mais completa.
Foi com a entrada de Olmo que o último terço espanhol ganhou dinâmicas e gerou imprevisibilidades até então não apresentadas. Foi com a entrada de Olmo que Williams e Yamal passaram a ter mais soluções de associação sobre o corredor central próximo da grande área adversária, que Morata passou a ter uma opção segura a quem passar sempre que fazia o papel de pivot ofensivo e alguém capaz de atacar os espaços criados pelas diagonais do capitão espanhol. Foi com a entrada de Olmo que a Espanha passou a caminhar de forma ainda mais segura e afirmativa rumo à consagração final.
Não deixa de ser curioso, no entanto, que foi preciso Pedri lesionar-se para Dani Olmo entrar definitivamente no onze inicial espanhol. Não é uma crítica ao excelente trabalho desenvolvido por Luis De La Fuente, é a constatação de um facto.
Tal como são os casos de Bruno Fernandes, Bernardo Silva, Phil Foden e Wirtz, por exemplo. Todos eles são diferentes, mas todos eles são, na minha opinião, excelentes opções para qualquer treinador que queira jogar com um '10' na sua equipa. Infelizmente não tiveram a sorte de ter um enquadramento técnico-táctico que lhes permitisse explanar o melhor das suas características ofensivas em prol do coletivo.
Podemos alegar que o futebol é dinâmico e não é por não partir da zona '10' que um jogador com características de '10' não sobressai. Podemos apontar que um '10' que joga sobre os flancos e tende a derivar para terrenos mais interiores pode sobressair e destacar-se. Podemos, claro que podemos. Mas a realidade da competição mostra-nos outra coisa...
Mostra-nos que De La Fuente não subverteu Olmo a um papel cujas tarefas não favoreciam as características do craque do RB Leipizg. Mostra-nos que o meio-campo espanhol ficou ainda mais forte com entrada de Olmo, pois passou a ter um 6, um 8 e um 10. Mostra-nos que o equilíbrio de que tanto se fala não pode ser analisado apenas do ponto de vista defensivo, pois uma equipa equilibrada é aquela que consegue ser igualmente forte e competente a atacar e a defender.
O futebol mudou, é um facto. Há menos espaços, o jogo é mais rápido e a organização defensiva passou a ser mais importante do que a organização ofensiva. Impossível discordar disso. Então se assim é, haverá alguém mais capacitado para encontrar espaços onde eles aparentam não existir do que um '10'? Haverá alguém mais capacitado para decidir de forma rápida sob pressão do que um '10'? Haverá alguém mais capacitado para desmontar uma boa organização defensiva com um passe, um movimento de rotura ou uma simulação de corpo do que um '10'?
A terminar: se a organização defensiva é cada vez mais competente, se há cada vez menos espaços e menos tempo para uma tomada de decisão com qualidade, se há cada vez menos magia e criatividade no futebol, porque razão permitimos que o '10' seja um jogador em vias de extinção?"

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