"Em exibição aquém do exigido, a equipa de Schmidt não foi além do empate (1-1). João Mário, num grande golo, deu vantagem às águias e Trubin defendeu um penálti, mas os visitantes expuseram o mau momento dos campeões nacionais
Roger Schmidt começou, logo na conferência de imprensa de antevisão, a fazer do Benfica-Casa Pia uma espécie de busca pela melhor face da equipa, uma procura por aquele conjunto pressionante e agressivo de boa parte da época passada. Em 2022/23, o bom funcionamento da equipa desde o verão fez com que, durante vários meses, a coisa andasse quase por inércia, uma equipa feita de memória e sem alterações, vitórias atrás de vitórias graças a esse automatismo, engenharia alemã feito conjunto de futebol.
Agora, tudo é diferente. Pressiona-se menos e pior, muda-se mais no onze, os reforços, como diz o treinador, “não estão a nível top”. Arthur Cabral parece perdido na frente, Jurasek evidencia limitações técnicas. O público reage e assobio.
No meio deste cozinhado de problemas, apareceu o Casa Pia, da identidade conservada de Filipe Martins, o oposto da confusão reinante no Benfica, uma equipa capaz de, aos 96', levar a bola até ao seu guarda-redes e sair a jogar de forma apoiada pelos defesas. O 1-1 é o quinto jogo em 14 partidas desta temporada que as águias não vencem: no ano passado foi preciso realizar 28 encontros para que o Benfica chegasse aos cinco sem ganhar.
Neste mar de dúvidas, o silêncio da Luz após o 1-1, marcado por Larrazabal aos 81', eram uma ruidosa ausência de barulho, quase reconhecimento tácito por parte do público dos problemas da equipa. Nos últimos minutos houve uma reação, liderada por João Neves e António Silva, o Seixal ao resgate, mais aí Ricardo Batista disse presente.
Desde 1930, quando os dois clubes da capital empataram a um numa partida a contar para o Campeonato de Lisboa, que o Casa Pia não conseguia sair de casa do Benfica sem uma derrota. Apostado em fazer história, o conjunto de Filipe Martins entrou com boas intenções, pressionando alto e tentando explorar alguma intranquilidade dos campeões nacionais. Aos 20’, após cruzamento do sempre enérgico Soma, Lelo, num cabeceamento por cima, deu a primeira sensação de perigo na Luz.
Os 30’ iniciais das águias foram a continuidade emocional da derrota contra a Real Sociedad. Futebol nervoso e desligado, com perdas de bola, pouca confiança e algum desconforto vindo da bancada a cada ação menos conseguida. Exemplo disto sucedeu aos 17’: o Benfica fez o que Roger Schmidt pedira na antevisão, recuperando algo, mas depois Rafa, com espaço para criar perigo, desperdiçou o lance com um passe para as costas de João Mário.
Com o decorrer do tempo, os locais foram melhorando. A primeira oportunidade surgiu aos 25’, quando Arthur Cabral rematou para defesa de Ricardo Batista. O final de tarde do brasileiro, titular na ausência de Musa (a contas com uma amigdalite), voltou a ser complicado. Lento de movimentos, voluntarioso mas desacerto, dando ideia de ser um peixe fora de água, um corpo estranho na frente que já provoca desconfiança vinda das bancadas. Novo jogo sem marcar, acabando substituído, aos 74’, por Tengstedt, entre aplausos e assobios.
Benfica e Casa Pia estarão para sempre unidos por Cosme Damião, o fundador das águias que foi aluno da Casa Pia. Mas a exibição dos campeões nacionais esteve longe de ser uma homenagem ao homem que dá nome ao museu do clube.
Ainda assim, o melhor período dos da casa surgiu na reta final do primeiro tempo. Aos 35', após bela assistência de calcanhar de Rafa, David Neres, já em queda, permitiu a defesa de Ricardo Batista.
Quando a Luz já se transformava mais caldeirão de ansiedades do que força que empurrava a equipa, quando os maus passes se começam a acumular para desespero da bancada, veio um momento de inspiração, uma luz no meio da escuridão.
Aos 44', João Mário recebeu de Aursnes, novamente lateral-direito, ajeitou e rematou forte e colocado, numa viagem triunfal para o 1-1. Desde 16 de março que o outrora médio sem golo que lutou por ser o goleador do campeonato passado não marcava na principal competição nacional. O golo em cima do intervalo era um golpe duro nas ambições do Casa Pia, mas, em vez de dar embalo para uma segunda parte de maior nível, pareceu adormecer o Benfica.
Jajá, brasileiro de 22 anos, estreou-se a titular pelo Casa Pia. Cavalgando pelos flancos, ora pelo direito, ora pelo esquerdo, foi um foco de instabilidade para a defesa do Benfica, conduzindo, driblando, agitando.
Aos 54', Florentino, de volta ao onze, derrubou o extremo dentro da área. No entanto, na cobrança do castigo máximo, Felippe Cardoso não fez jus ao apelido que, trocando uma letra, tantas vezes foi sinónimo de golo na Luz. Trubin, com classe, repetiu o que já fizera contra o Portimonense e defendeu o remate. Há 40 anos que um guarda-redes do Benfica não parava dois penáltis na mesma edição da I Liga.
Tal como o golo de João Mário, o penálti defendido não melhorou o Benfica. As águias deixaram o encontro correr, sem rasgo ou ambição, vendo os visitantes desperdiçarem oportunidades. Jajá e Soma iam ameaçando, Felippe voltou a falhar e aos 81' chegou o esperado 1-1.
Beni Mukendi, que entrou par dar vigor renovado ao meio-campo visitante, lançou Larrazabal, basco de pulmão incansável, na profundidade. Este aproveitou a passividade de Jurasek para rematar de ângulo apertado, surpreendo Trubin, que não escondeu a frustração.
Depois de instantes de quase anestesia da Luz, houve um assalto final ao triunfo. Ali, o Benfica teve a ambição que faltou, a pressa que nunca revelou, a urgência contra-relógio. Mas não chegou.
Aos 86', Florentino cabeceou à barra, a bola bateu nas costas de Batista e parecia destinada a Tengstedt. O guardião, heróico, evitou que o avançado marcasse, como evitaria, também, golos de Rafa e de João Neves. Durante boa parte do fim de tarde não teve muito trabalho, mas sai como um dos heróis.
Já no desconto, a tal reação liderada pelo Seixal ia tendo a expressão máxima. Canto de João Neves, cabeçada de António Silva. No Estoril o jovem central resolveu, desta feita o poste negou-o, qual mapa incompleta que complicou a descoberta da identidade perdida. Schmidt terá de reforçar a busca pelo ADN do conjunto que não se reconhece a si próprio."
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