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sexta-feira, 16 de junho de 2023

Abusar do sonho dos jovens atletas


"A informação que vai surgindo em torno da investigação sobre a Bsports Academy, em Riba d"Ave, mostra dados chocantes sobre o tráfico de atletas e a exploração de menores. Os contratos celebrados com famílias aliciadas com o sonho de colocarem os filhos em equipas profissionais previam o pagamento de mensalidades que iam dos 500 aos 2000 euros por mês, a troco de suposta formação académica e desportiva. Uma vez instalados na academia, era bem diferente a realidade que esperava os candidatos.
Sem professores, enfiados em camaratas sem condições de higiene, com os passaportes confiscados e proibidos de saírem das instalações sem acompanhamento, os jovens mergulhavam num pesadelo, do qual só a custo conseguiram dar nota às famílias. Houve mesmo ameaças de suicídio e apelos desesperados de pais para que os filhos fossem libertados, de modo a poderem apanhar o avião que os levasse de regresso a casa.
A exploração e tráfico de pessoas no desporto não são novidade, razão pela qual já em 2015 foi assinado entre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga e o Sindicato dos Jogadores um protocolo visando criar mecanismos de prevenção e fiscalização de clubes. No final de maio, um acórdão do Tribunal de Braga considerou provado que oito futebolistas brasileiros viveram sem condições de higiene e segurança no Palmeiras Futebol Club, mas o único arguido acabou absolvido por falta de provas. É um dos mais recentes exemplos da desproporção entre o número de condenações e de casos investigados ao longo dos anos.
Com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a partir de outubro, será preciso redefinir competências e assegurar que não se perde o caminho insistente de fiscalização. Por agora, mantêm-se em aberto dúvidas na alocação de recursos humanos e na gestão de atribuições entre as várias forças de segurança que vão absorver as atuais missões do SEF.
O caminho não se faz, contudo, apenas por via da investigação e repressão policial. As instituições desportivas já conhecem o fenómeno e devem ser parte ativa na prevenção, denúncia e punição de abusos. Mas há, além dos crimes flagrantes e sérios, zonas de sombra menos óbvias que justificam igualmente reflexão. Desde logo o agenciamento de crianças em idades cada vez mais precoces, potenciando abusos. A que se soma a expectativa tantas vezes exagerada das famílias e a pressão colocada sobre muitos miúdos à entrada para clubes e academias.
Sabemos o peso que o futebol tem no país, a capacidade na formação reconhecida a nível mundial, a importância do desporto para tantas crianças e jovens. Nenhum desses valores deve ser posto em causa. Pelo contrário, protegê-los implica manter uma atitude vigilante e rigorosa sobre todos os comportamentos que ameacem a integridade dos clubes, a transparência na relação com as famílias e o absoluto respeito pelos jogadores e por todos os que correm atrás de um sonho."

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