"A Feira do Livro, lugar de perigoso ajuntamento dos fanáticos das bibliotecas, páginas meias com o santuário do Marquês, fecha as portas aos intelectuais da bola, para evitar que a febre deste sábado à noite degenere num batalha campal entre o profano e o sagrado, um monte de famílias armadas de sacos de cartapácios a atacar inocentes foliões de camisola e cachecol.
Quem quiser celebrar a conquista de um título bibliográfico comprando um show de letras, um ensaio de ataque, um romance de defesa, um compêndio de jogadas poéticas, ou simplesmente histórias dos novos heróis de VAR e alguidar, tem de fazê-lo antes do pôr do sol, porque a noite de sábado foi reservada pelos inteligentes das arquibancadas.
Em nome da tranquilidade e boa ordem dos rebentamentos de petardos, da afinação dos coros de insultos e do ritmo cadenciado das cargas policiais, estão adiados para noites mais problemáticas da próxima semana os debates tóxicos com autores da literatura contemporânea, os fóruns de leitores insatisfeitos, as críticas apaixonadas aos editores e as ameaças veladas aos autores desalinhados.
Neste sábado à noite no Marquês, não haverá violência nas livrarias, mas apenas um culto da claque do 38 - qual derradeiro fascículo de uma fantástica ficção científica tornada realidade.
São noites como a deste sábado que nos traduzem a importância transcendental do futebol, pináculo da cultura dos portugueses, e colocam nos seus lugares a inscícia dos escritores e a estupidez dos leitores.
Lembro-me muito de um título de jornal de letras “times new roman” numa matéria sobre Francisco Geraldes, jovem do Sporting que desafiou a compreensão da turba boleira pelo seu interesse em escritos de muitas páginas, de Tolstoi a Dostoiévski: “O que se pode esperar de um jogador de futebol que lê José Saramago?”
Viva a bola! Abaixo os livros!"
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