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sábado, 28 de janeiro de 2023

Os penáltis de Grimaldo


"Por estes dias, um livre direto já deixou de ser livre direto para Alejandro Grimaldo. O lateral, que deverá estar de saída do Benfica, abriu o marcador em Paços de Ferreira na vitória dos encarnados por 2-0, em mais um episódio de uma subtil mas eficaz procura de se eternizar na Luz antes da mais que provável saída

Já nem Roger Schmidt, naquela sua permanentemente fleumática face, parece ter esperanças. “É difícil" e “sou realista” é o tipo de afirmação de quem já está vencido. Grimaldo, diz, “é um jogador chave”, “é excelente”, “é empenhado e tem uma ótima mentalidade”, mas “a decisão é dele”, há muito que parece ser mas agora mais, porque é dono do seu futuro.
Do tanto que se falou da vontade do espanhol sair do Benfica que o coração deverá mesmo parar.
Mas até lá Grimaldo está num momento. Numa espécie de transe. Não há livres diretos para o lateral esquerdo, há penáltis, penáltis com barreira, que está lá a fazer sabe-se lá o quê, provavelmente apenas um acessório para tornar ainda mais ridícula a facilidade com que o defesa encontra com aquele pé esquerdo os cantinhos mais esconsos das balizas adversárias. Frente ao Paços, marcou o seu quarto golo da época de livre direto. O outro, frente ao Maccabi Haifa, na Luz, foi uma espécie de livre direto em movimento, sem barreira, lá está, como que embalado numa inércia de técnica, improvável de parar.
É possível estarmos a assistir aos últimos meses de Grimaldo com a camisola do Benfica e o espanhol está a fazer por gravar o seu nome numa qualquer memória coletiva. Ficará ao lado de Simão e Cardozo como os mais exímios criadores de curvas na bola deste século na Luz. E são oito anos de omnipresença no lado esquerdo da defesa, uma eternidade no futebol atual, numa posição muitas vezes ingrata. Sairá provavelmente sem se ter tornado num defensor imperturbável, os laterais às vezes sofrem com essa impossível tarefa de serem bons em sete ofícios, mas parece estar a guardar a última época para escrever o seu nome da pedra, um daqueles que se vai buscar quando se pedem comparações.
O golo de Grimaldo abriu o marcador para o Benfica logo aos sete minutos, naquela mais que segura certeza que um livre direto seu dará golo, e quatro minutos depois, após uma arrancada cheia do ar puro da imprevisibilidade de Gonçalo Guedes, João Mário fez o 2-0. E seria assim que acabaria um jogo estranho e entretido ao mesmo tempo, um espectáculo decente face ao frio ártico que se faz sentir por estas noites e em que os golos precoces poderão muito bem ter tirado o Benfica de trabalhos, face ao desacerto que se seguiu e à resposta corajosa do Paços, último classificado da liga, que joga agora pouco mais do que a honra.
E a honra é muita coisa. Os dois golos de rajada do Benfica poderiam ter sido assustadores. Porque Gonçalo Guedes traz ainda mais dinâmica e imponderabilidade ao ataque encarnado, cria o caos do outro lado, estilhaça organizações defensivas. Nos primeiros minutos, o avançado emprestado pelo Wolverhampton foi o desestabilizador: é ele quem sofre a falta para o livre-penálti de Grimaldo e inventa a jogada do segundo golo. Enzo continuou a ser Enzo, olhos de falcão nas botas, a encontrar os espaços, a meter os mais improváveis passes. Mas nada disto temeu o Paços, que reagiu bem, com vários lances perigosos nos minutos seguintes, com Alexandre Guedes muito ativo na área - mas com pouco acerto.
No final da 1.ª parte, Nigel Thomas aproveitou a escorregadela de Bah para ficar com o lado esquerdo só para si. Fletiu para o meio e num remate meio atrapalhado por Enzo enviou a bola ao poste. Seria a primeira de três, em terra de madeira houve demasiado ferro e a equipa de César Peixoto talvez merecesse a oportunidade de, pelo menos, discutir o resultado. Nigel Thomas, nesse particular, foi sempre o elemento mais irrequieto. Na 2.ª parte enviaria nova bola ao ferro e já mesmo no finalzinho Fábio Gomes também afinou demasiado a mira.
Mesmo com uma 2.ª parte mais pobre e pouco discernida dos encarnados, onde houve espaços para fazer bem melhor no último terço, o Paços foi um bom teste para o Benfica, neste jogo antecipado da 20.ª jornada. Foi uma equipa valente e audaz, talvez só se possa ser assim quando a situação já é tão desesperada."

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