"Sócio Honorário do Sport Lisboa e Benfica e Nobel da Literatura, José Saramago é o escritor contemporâneo mais celebrado. Falecido em 2010, autor de uma vasta e muito apreciada obra, teria completado 100 anos no dia 16 de novembro.
José Saramago era Benfiquista. Era o próprio quem o assumia, não obstante um certo distanciamento progressivo em relação ao futebol no decurso da sua vida, conforme confessou em entrevista dada a Afonso de Melo, recuperada em 2017 nas páginas de O Benfica em crónica do mesmo autor: "Eu fui Sócio do Benfica com os meus 8 ou 9 anos. Por influência do meu pai, claro está!, ele era um Benfiquista ferrenho, do tempo do estádio das Amoreiras, com aquelas bancadas e aquele peão de Terceiro Mundo. Mas depois as mudanças de vida levaram-me para outros caminhos."
O afastamento não significou corte definitivo, aceitando, em 1999, um ano após ser agraciado com o Nobel da Literatura, a homenagem que o Sport Lisboa e Benfica lhe prestou, ao atribuir-lhe o estatuto de Sócio Honorário.
José Saramago publicou, em 1956, um artigo no suplemento Cultura e Desporto do jornal O Benfica
A obra de José Saramago conta com vários romances entre os considerados melhores da literatura portuguesa publicada no século XX. Livros como A Jangada de Pedra, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Ensaio sobre a Cegueira, Memorial do Convento ou (à data, muito polémico) O Evangelho segundo Jesus Cristo, entre outros, fazem de Saramago um escritor único, de estilo singular, controverso e imensamente laureado.
Os romances não perfazem a totalidade do seu legado à humanidade. Contos, diários, narrativas infanto-juvenis, peças de teatro e crónicas foram outros dos formatos da expressão artística do escritor, entre os quais se inclui um quase ignorado artigo publicado no suplemento Cultura e Desporto do jornal O Benfica. Este suplemento surgiu em dezembro de 1955, sob a direção de Paulino Gomes Júnior, responsável máximo do jornal O Benfica em cinco períodos distintos e hoje mais conhecido pela autoria da letra de Ser Benfiquista.
Na página 2 da edição publicada em 19 de janeiro de 1956 consta um artigo intitulado "É tempo…" da lavra de José Saramago, então com 33 anos de idade. O futuro Nobel começa por discorrer sobre "o critério absurdo que pretende impor a ignorância como… meio de conhecimento", o ponto de partida para uma crítica ao conservadorismo, subversiva quanto baste num tempo em que ainda vigorava, fora do meio artístico, o primado do convencional.
"Eu fui Sócio do Benfica com os meus 8 ou 9 anos. Por influência do meu pai, claro está!, ele era um benfiquista ferrenho, do tempo do estádio das Amoreiras"
José Saramago
Saramago argumenta que pronunciar as palavras "No meu tempo…" é equivalente a "uma certidão de óbito mental" e desenvolve a ideia: "Eis a confissão de que o tempo em que fisiologicamente continuamos a viver já não é o nosso tempo, eis o reconhecimento tácito de que estamos cegos para tudo que seja expressão viva e autêntica de um mundo em que vagueamos como fantasmas de um universo revoluto, agarrados a convicções, ideias e formas que, diga-se, valem pelo que valem, e muitas vezes valem muito, mas não pelo que nos habituámos a encontrar nelas."
O autor exemplifica com a costumeira rejeição da arte moderna: "Repare-se na contradição: este homem sonha com um automóvel do último modelo, usa capa de plástico, calça peúgas de nylon, serve-se do telefone, anseia pela televisão, reclama o metropolitano, faz projetos de viagens à Lua – e não quer nada com a arte do tempo em que vive." Mais adiante: "Pois não se está mesmo a ver que os estúpidos somos nós? Nós que temos a franqueza (a força, digamos antes) de amar o tempo em que vivemos, a inocência lúcida de ir para a obra de arte autêntica sem ideias feitas, sem atitudes preconcebidas, sem bitolas aferidas pela autoridade e pelo hábito." E conclui: "A arte moderna, queiram-no ou não, é uma coisa muito séria, tão séria como o foi sempre a arte em qualquer época. Troçar dela, ignorá-la, não adianta nada. Ela permanece ali diante de nós, à espera, com a tranquila certeza de quem sabe que cedo ou tarde lhe farão justiça. E parece-nos que já vai sendo tempo de começar."
É por estas e por outras que, cada vez que se tenta rotular o Sport Lisboa e Benfica de "clube do antigo regime", qualquer Benfiquista informado se debate com a mesma dúvida de Paulino Gomes Júnior, revelada numa destas páginas em plena ditadura do Estado Novo, corria o ano de 1972. Em causa estavam as críticas proferidas na Assembleia Nacional por um deputado da nação dirigidas aos jornais privados de clubes, e eis a dúvida do diretor de O Benfica: "Não precisei de ler mais nada para ficar sem saber se devia escancarar-me todo de riso, se me morder de indignação.""
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