"Formou-se no SC Braga e no SL Benfica (clube do coração, ainda que se perceba pelas suas palavras que não é com o coração que se joga futebol). Jogou Primeira Liga e esteve em campo na Liga dos Campeões na primeira época sénior, mas o caminho de regresso ao desejado patamar foi pavimentado com sintéticos. Conhece a Segunda Liga como poucos e o FC Penafiel ainda melhor – chama-lhe casa. Sem clube, mas com um conhecimento profundo sobre o futebol português, que permeia a entrevista que gentilmente encaixou numa agenda repleta de projetos para o presente e para o futuro, Romeu Ribeiro conta-nos histórias, aponta dedos e revive, aos 32 anos, uma carreira 100% nacional que dura já há década e meia.
«Posso dizer que sou benfiquista desde pequenino»
- Bom dia, Romeu! Entre formação, equipa principal e empréstimos foram oito épocas ligado ao SL Benfica, mas foi no FC Penafiel – em duas passagens – que mais minutos somou. O coração continua a ser das águias ou a passagem pelos penafidelenses levou-o a deixar lá o coração?
- Bom dia! Nós, profissionais, acabamos por gostar dos clubes por onde passamos. Posso dizer que era benfiquista desde pequenino e, por isso, em relação ao SL Benfica, essa parte estava arrumada, não havia problema nenhum, estava no clube de que sempre gostei. No FC Penafiel e como passei lá várias épocas, é claro que fica sempre aquele gosto e sentimo-nos em casa e sentimos que o clube também é um bocado nosso. Há sempre aquele carinho. Se me perguntarem se gosto do FC Penafiel, gosto muito, se sou do FC Penafiel, sou do FC Penafiel também. É o que eu costumo dizer aos meus amigos: quando somos profissionais, a parte do coração passa um bocado ao lado.
- Curiosamente, a sua estreia na Segunda Liga é pelo CD Aves frente ao FC Penafiel, que viria a ser o seu clube mais tarde, durante seis épocas. Lá está, nessa partida, o seu coração era de certeza do CD Aves e, depois em Penafiel, viesse quem viesse, o seu clube era o FC Penafiel, não é…
- Também já tinha pensado nisso há uns tempos atrás. A minha estreia na Segunda Liga foi em Penafiel, no 25 de Abril, onde acabei por fazer a maior parte da minha carreira. Foi muito curioso, nada é por acaso.
- O Romeu faz a transição para o futebol sénior em 2007 no SL Benfica, participando em seis jogos pelos encarnados – em cinco do campeonato e em uma partida de qualificação para a Liga dos Campeões, em Copenhaga. Na altura, as águias não tinham equipa B nem equipa sub-23 e, por isso, a transição era feita diretamente dos juniores para a equipa A, que lutava por títulos. Fez-lhe falta esse patamar intermédio para se impor de outra maneira?
- Nós falávamos muito disso no SL Benfica. O que nós pensávamos e era legítimo pensarmos assim era que não existir equipa B era menos um patamar para conseguirmos chegar à equipa principal. Era um bocado aquela ideia de que deixando de haver esse patamar ia ser mais “fácil” chegar à equipa principal. Nada disso. Quando cheguei à equipa principal, senti uma diferença enorme. Dos juniores para o plantel principal do SL Benfica era uma diferença enorme. Ainda bem as equipas B voltaram, os sub-23 ainda melhor, porque ajuda nessa transição, que é complicada. Existia um fosso demasiado grane entre os juniores e a equipa principal. Não é que não conseguíssemos depois colmatar esse fosso, mas o SL Benfica é um clube que luta por títulos, ou seja, às vezes, não existe esse tempo para o jovem crescer, amadurecer. A equipa B traz isso, traz essa competitividade de uma Segunda Liga e traz também tempo para poder crescer e ficar mais perto do nível da equipa principal.
- Que principais vantagens retira um jovem jogador da passagem pela equipa B e pela Segunda Liga?
- Acima de tudo, traz dificuldade, que é o que se pede nessa idade. Eu costumo chamar à Segunda Liga uma liga de homens e homens de barba rija. É extremamente dura, extremamente competitiva e isso ajuda muito os miúdos das equipas Bs. Traz-lhes dificuldades que eles não tinham nos juniores e, se formos analisar o campeonato de juniores, vemos que todas as equipas tentam jogar bem, tentam jogar bonito. Tentam todos jogar. Na Segunda Liga, há equipas que trazem outro tipo de dificuldade, equipas que têm um futebol mais direto, equipas que criam mais dificuldade em bolas paradas (que não acontece tanto no campeonato de juniores). E é nas dificuldades que nós crescemos. Ajuda muito, mesmo muito. E tem-se notado nos miúdos que têm subido à equipa principal do SL Benfica esse arcaboiço, estão melhores preparados… É uma diferença muito grande, na minha opinião.
- Mesmo assim, às vezes não é o suficiente para um jovem se impor. O que falta naquela transição da equipa B para a principal, que se calhar já não é tão aguda como a dos juniores para a equipa A? Falta um projeto, falta quem aposte verdadeiramente neles, falta saber o que é apostar verdadeiramente num jovem?
- Acho que sim… Acho que depois vai depender também muito do momento da equipa principal. Por exemplo, quando foi na época do Bruno Lage, o João Félix já estava lá desde o início da temporada. Mas, depois acabou por aparecer um treinador que o conhecia melhor um bocadinho e sabia o que ele podia dar e que o colocou a jogar. Acho que é uma questão de oportunidade. Claro que às vezes os miúdos agarram, outras vezes não; uns agarram mais facilmente do que outros, outros precisam de mais tempo… Tem que haver uma análise, não podemos ser frios ao ponto de colocar um miúdo no jogo, as coisas não correrem bem e ele deixar completamente de contar. Acaba com a confiança do miúdo. Tem que haver uma continuidade. E o que falta é claramente um plano para os miúdos se conseguirem adaptar e se conseguirem mostrar. Por exemplo, é o que está a acontecer agora com o Gonçalo Ramos. Ele talvez não esteja ao nível que toda a gente espera, se formos a reparar de jogo para jogo tem melhorado sempre um bocadinho. Tem tido esse tempo de jogo, tem tido essa paciência por parte do treinador, que também o conhece e dá-lhe toda a confiança e tem a certeza que ele chegará ao nível que toda a gente espera dele.
- Queria agora aproveitar o seu olhar de jogador que fez mais de 200 jogos na segunda divisão portuguesa para perguntar que benefícios e malefícios tem a presença das equipas B neste escalão? Estas equipas trazem mais de bom ou de mau às outras equipas da Segunda Liga?
- Trazem muitas melhorias, na minha opinião. Trazem um futebol positivo, que é o ADN das equipas B. Depois, trazem motivação. Mesmo sendo uma equipa B, quem é que não gosta de jogar contra uma equipa grande? Por outro lado, não sobem, mas descem [risos]. O que nós costumamos dizer, em jeito de brincadeira, é que as equipas B têm que ganhar sempre menos contra nós. Isso acaba por complicar as coisas, mas é bom. E trazem também condições, ir jogar ao Seixal, ir jogar ao Olival é sempre bom e depois acabamos por jogar com miúdos de muita qualidade, que é o que toda a gente gosta. No fundo, trazem muita dificuldade. É difícil jogar contra eles, mas ao mesmo tempo é um desafio…
- E trazem indefinição, não é? Acredito que sejam adversários mais difíceis de avaliar, porque de repente pode um jogador subir à equipa A, está o plano traçado para neutralizar aquele jogador e ele depois não joga e o plano muda…
- Sem dúvida, lembro-me perfeitamente que no ano em que subimos de divisão com o FC Penafiel, quando jogámos contra o FC Porto B, lembro-me de jogar o Kelvin, o Fucile, jogou também o Carlos Eduardo… Utilizava-se muita gente da equipa principal. O SL Benfica B tinha o André Gomes, tinha o André Almeida, tinha o Lindelöf, o Carole na altura… O próprio Sporting CP tinha o João Mário, ou seja, por aí dava para sentir… E, como estavas a dizer, são equipas que não dá para saber muito bem o que esperar delas. Posso esperar sempre qualidade, mas em termos de jogadores nunca se sabe o que vamos encontrar. Os treinadores até ficavam atentos aos jogos da equipa principal, se jogassem no dia anterior, para ver quem é que não entrava, porque no dia a seguir era possível que viessem jogar à equipa B.
«Fiz uma pré-época toda como lateral-direito»
- Voltando à sua estreia: o Romeu Ribeiro estreou-se como sénior pela mão de José Antonio Camacho. Na altura, sentiu que era e ia ser uma aposta sólida do técnico espanhol ou percebeu que era mais uma experiência?
- Só um apontamento: quem começa a época é o Fernando Santos. A ideia era nós treinarmos na equipa principal e jogarmos pelos juniores. O Fernando Santos foi muito cedo embora e entrou o Camacho. Nos treinos, as coisas começaram a correr-me mesmo muito bem, fizemos vários jogos contra os juniores, as coisas correram muito bem e o Camacho chamou-me e disse-me que não ia voltar mais para os juniores, que ia ficar ali a tempo inteiro. Entendi que era mesmo aposta e nos jogos isso dava mesmo a entender. Na minha estreia na equipa principal, na Liga dos Campeões, eu sou o primeiro a entrar. Na altura, até fiquei surpreendido por ele me mandar aquecer. Senti que era mesmo aposta e fiquei mesmo contente. Depois, pronto, dá-se ali também o empréstimo e já sentia que era aquele tal fosso que tínhamos falado, não havia uma equipa B onde pudéssemos jogar regularmente. Os juniores, se calhar, já não se adequava, então, a solução foi o empréstimo. Mas senti que, da parte do treinador, era para apostar, não era nenhuma experiência.
- No empréstimo ao CD Aves, sentiu que era uma aposta ou é como alguns empréstimos que vemos em que se percebe que a ideia é “não dá para vendê-lo, vamos empresta-lo”?
- Na altura, pensei que era para regressar e tudo dava a entender isso, mesmo a conversa com o mister dava para entender isso. Foi o que senti, que ia para o CD Aves, mas ia regressar na época seguinte. Só que, lá está, era o que estávamos a falar: não existia um plano para mim, que estava emprestado. Para o mister Camacho, eu regressaria no início da época seguinte. O problema é que o Camacho foi despedido e existia um plano, talvez, do treinador. Era um plano do treinador, não era um plano da estrutura. Entra o Quique Flores e ele nem sabia quem é que eu era, de certeza. Eu lembro-me que regressei para fazer a pré-época com ele, mas senti que fui fazer a pré-época porque tinha havido um Europeu e faltavam jogadores. Eu fiz a pré-época praticamente toda a lateral-direito. Aí senti que o regresso era uma mentira.
- Hoje em dia, olhando também para o SL Benfica, falta uma coincidência de planos, falta a estrutura escolher um treinador que coincida com os planos…? O que é que falta ali, porque parece-me que isso acontece cada vez mais, quando se devia estar a melhorar nesse aspeto?
- É um bocado difícil dizer, mas vai um bocado ao encontro ao que estamos a falar de não existir um plano. Agora, é óbvio que não vão poder jogar todos na equipa principal e os empréstimos vão acabar por acontecer e nem todos os jogadores têm a capacidade para jogar na equipa principal. Só que a grande diferença que existe hoje em dia – lá está, também por existir equipa B – é que um mesmo um miúdo que esteja na equipa B e seja emprestado, é sempre a um excelente clube. O empréstimo é sempre para um clube da Primeira Liga ou conseguem ser vendidos para mercados excelentes. A equipa B trouxe isso aos jogadores. Claro que ser emprestado ninguém quer ser, toda a gente quer jogar na equipa principal, mas hoje em dia os miúdos podem olhar para um empréstimo com mais tranquilidade do que existia na minha altura, por exemplo. São emprestados a clubes de Primeira Liga, clubes que lutam por excelentes objetivos. E mesmo que seja lutar para não descer, é sempre Primeira Liga.
- Já voltamos a esta temática, mas agora pedia que nos focássemos um pouco no patamar sénior. Acaba por fazer poucos jogos pela equipa principal das águias e segue para alguns empréstimos consecutivos, passando pelo CD Aves, pelo CD Trofense e pelo CS Marítimo B até assentar praça em Penafiel. Na primeira época nos durienses, garante a subida à Primeira Liga e participa em 38 jogos. Juntando o plano individual ao plano coletivo, foi a melhor época da sua carreira como sénior?
- Somando tudo, sim, sem dúvida. Foi uma época brilhante, uma época que guardo com muito carinho. Acabamos por subir de divisão, ou seja, alcançámos o objetivo coletivo que é sempre o mais importante. Mas mesmo a nível individual foi uma época em que eu senti que cresci muito, cresci em aspetos que não pensei que fosse crescer tanto. Até a esse nível, foi mesmo muito bom e somando tudo foi claramente a melhor época.
- Acredito que a época que esteja em segundo lugar nessa lista será a época imediatamente a seguir, porque é a temporada em que volta a jogar Primeira Liga. Sobe com o FC Penafiel em participa em 17 encontros primodivisionários. O FC Penafiel acabou por descer, mas foi o seu segundo contacto com o principal escalão (e, até ver, o último), depois das cinco partidas em que alinhou pelo SL Benfica na época 2007/08. Quão difícil e quão gratificante foi este caminho até voltar ao principal escalão do futebol português?
- Foi muito gratificante conseguir voltar à Primeira Liga, porque é o que eu costumo dizer: subi a montanha, consegui chegar ao topo e depois caí, mas caí lá bem para o fundo, mas consegui reerguer-me e consegui voltar a onde queria estar. Mas foi um caminho duro, um caminho muito complicado, mas quando conseguimos alcançar o objetivo é muito bom e faz-nos muito felizes.
«As condições no Seixal não eram nada de especial».
- E nesse caminho duro quem tem mais importância: os treinadores, que permitem ser aposta, os colegas, toda a estrutura ou é ter um apoio familiar sólido que permite depois trilhar esse caminho duro e voltar à Primeira Liga?
- É um pouco de tudo, acho eu, mas, acima de tudo, o apoio familiar. É o mais importante, porque quando estamos lá em cima toda a gente nos ajuda, toda a gente nos dá umas palmadinhas nas costas, toda a gente fala connosco; quando estamos cá em baixo, contamos pelos dedos das mãos. E a família está sempre lá: quando estamos lá em cima, quando estamos cá em baixo, por isso, o apoio familiar é e sempre será – e é assim para todos, com certeza – o mais importante. E é graças a eles, mas também graças a mim, que tive que me reinventar e me adaptar, tive que perceber o que estava a fazer mal para conseguir regressar onde queria. São realidades completamente diferentes. Lembro-me de estar a jogar Liga dos Campeões e passados uns anos estar no CS Marítimo, na equipa B, a jogar em sintéticos, por exemplo. Lembro-me de estar a ir para um desses jogos e pensar: “ontem estava a jogar Liga dos Campeões e agora vou aqui para um sintético, com esta idade. O que é aconteceu, o que é que se está a passar”. Foram muitas perguntas e não é fácil… Tive que abdicar de muita coisa para conseguir voltar aos patamares onde queria.
- Hoje, isso acontece mais ou acontece menos? Não quero usar a palavra “mimado”, mas parece-me que agora há jogadores que têm equipa B, têm as condições necessárias para chegar lá e quando têm que dar um passo atrás que seja não estão dispostos a esse sacrifício, não estão dispostos a reinventarem-se como o Romeu fez. Estamos piores nesse aspeto, em termos da mentalidade dos jogadores ou é só uma impressão minha?
- Eu acho que sim, que podemos estar um bocado mal habituados, digamos assim. Mas também acho que os jogadores têm consciência. Acontecendo isso, eles podem até dar uma de “mimados” mesmo, mas depois acabam por ter que pensar, porque se querem é a realidade deles naquele momento. Não lhes vale de nada estarem chateados ou a penar que já não vão conseguir, porque isso não os vai ajudar em nada. Têm que se reinventar. Temos que procurar sempre soluções. Na vida – e no futebol, então! -, a procura de soluções tem que ser constante, porque nem tudo é como nós queremos. Infelizmente [entre risos]…
- Os jogadores estão à espera de um certo patamar, sobretudo estão formação de um grande. A pressão que um jovem sente quando está nos escalões de formação de um clube da dimensão do SL Benfica é maior do que se estivesse noutro clube? Sentem-se já na formação forças externas a exercerem sobre o jogador – no fundo, sobre o jovem – pressões grandes para que ele venha a ser um craque?
- Eu nunca senti, sinceramente, esse tipo de pressões. Deve ser um tipo de pressão – e ela existe – que nós próprios colocamos. Era essa pressão que eu colocava em mim. Nunca me foi colocada essa pressão por parte de treinadores ou de quem quer que seja. Era a pressão que eu colocava em mim porque, lá está, estava a abdicar dos melhores anos da minha vida, da minha adolescência. E se estava a abdicar tinha que valer a pena. É esse tipo de pressão individual que existe. Agora, a nível de fora, nunca senti que algum treinador ou a própria estrutura… Acho que, a nível do SL Benfica, isso é muito tranquilo e deixam o miúdo rolar e essa pressão é colocada por nós próprios.
- Ainda assim, não deve ter sido fácil trocar o Minho pela capital portuguesa aos 15 anos, para integrar os escalões jovens do SL Benfica. Como vive um adolescente essa transição: deixar o conforto de casa e ingressar numa academia e numa cidade diferente?
- A minha mãe costuma dizer que nunca pensou que eu tivesse coragem para isso, que nunca tinha saído de perto dos meus pais. Ela ficou surpreendida e ainda hoje brinca com isso. Acho que não olhava para a dificuldade que ia ter ao sair de casa dos meus pais, olhava mais era para o benefício que ia ter com essa saída. Até nisso foi bom ter sido com 15 anos, porque nem dava para pensar muito em saudades ou o que quer que fosse. Olhava mais para o que ia ganhar do que para o que ia perder. Depois, quando estamos lá acaba por nos cair a ficha e passamos por momentos difíceis, somos donos de nós próprios, temos que pensar em coisas que nunca tínhamos pensado, porque eram os nossos pais que tratavam de tudo. Mas, até nisso, eu costumo dizer que foi a melhor decisão que eu tomei. Consegui chegar à equipa principal, que foi excelente, mas, acima de tudo, consegui tornar-me mais homem, cresci mais, fiquei com outro tipo de mentalidade, que trago para os dias de hoje. Deu-me um arcaboiço muito grande e ainda hoje sinto isso ao falar com alguns amigos, sinto que consigo ser mais maduro um bocadinho do que eles.
- E no contexto de academia o que é mais importante: as condições, as infraestruturas ou as pessoas que trabalham convosco e podem ser um auxílio muito grande?
- Quando eu fui para o SL Benfica, ainda não existia o Seixal. Nós morávamos em Benfica, existia lá um mini-centro de estágios, aquilo tinha poucos quartos, mas não existiam as condições que existem hoje. As condições não eram nada de especial, mas nada mesmo! Não era pelas condições. Eu acho que o que ajuda mais são as pessoas e os nossos próprios colegas. Acabamos por nos tornarmos todos irmãos, estamos ali todos para o mesmo, mas temos que nos apoiar, porque eles é que são a nossa família naquele momento. Acho que os colegas e as pessoas que estavam mais próximas de nós – os treinadores, os psicólogos – acabam por ser o mais importante para nós. Os pais são o expoente máximo, mas não estão ali e, por isso, agarramo-nos mais aos colegas e às pessoas. Eu passei lá dois anos e não era pelas condições…
- Nessa fase, consegue nomear uma pessoa que tenha sido a mais importante?
- Os treinadores… Lembro-me que naquela altura falava já bastante com os psicólogos, lembro-me do Pedro Almeida (que agora já não trabalha com o SL Benfica) ser também uma boa ajuda. Mas a quem eu me agarrava mais ainda era ao meu colega de quarto, porque quando saí do SC Braga para o SL Benfica fui com o André Soares. Nós já nos conhecíamos há muito tempo e éramos o braço direito um do outro.
«Casa Pia vai dar cartas, mesmo na Primeira Liga»
- Voltava aqui ao patamar sénior… O FC Penafiel acaba por descer à Segunda Liga e o Romeu transfere-se para o Académico de Viseu, também do segundo escalão. Faz uma época nos viseenses e regressa aos penafidelenses, somando mais quatro temporadas pelos rubro-negros. A passagem por Viseu foi uma escolha própria ou alheia?
- Na altura, o que eu senti quando descemos de divisão que, nessa época em especial, (e o FC Penafiel até me convidou para renovar) senti que o FC Penafiel não me estava a dar o devido valor e senti que tinha que sair e surgiu a oportunidade do Académico de Viseu através do treinador que tinha começado a época anterior na Primeira Liga em Penafiel, o Ricardo Chéu, que me levou para Viseu com ele. Optei por isso, mas mais numa de estar “sentido” com o FC Penafiel. Senti que não me estavam a dar o devido valor, que faltava ali qualquer coisa. Quis sair para mostrar que eles iriam talvez sentir a minha falta. O que acabou por acontecer foi que sentimos a falta um do outro [risos]. As coisas em Viseu começaram bem até ao Ricardo Chéu sair, mas o clube na altura, comparado com o FC Penafiel, não tinha nada a ver. Em termos de condições, então… Era um clube que ainda estava muito atrás dos outros todos, estava demasiado amador e na altura eu não sabia disso. Depois da saída do Ricardo Chéu, senti que talvez não tivesse tomado a melhor escolha. Decidi voltar para o FC Penafiel, decidi voltar para casa, como costumo dizer, e era onde me sentia bem. Foi uma aprendizagem para os dois, tanto para o clube, como para mim. Acabámos por perceber que estávamos a precisar um do outro.
- A verdade é que, nessa época, o Académico de Viseu, estando muito atrás dos outros clubes, ficou a cinco pontos do FC Penafiel. O que é que se passou nessa época – ao FC Penafiel ou ao Académico de Viseu?
- Foi mérito nosso, porque nós também com pouco conseguimos fazer muito – com pouco em termos de condições, porque em termos de equipa, tínhamos uma boa equipa. E o FC Penafiel tinha descido de divisão, então houve muita entrada de jogadores novos e perdeu-se um bocado do “ADN FC Penafiel”. Acho que eles acabaram por pagar um bocado essa fatura, foi o que eu percebi no ano em que regressei, falando com os colegas. Perdeu-se um bocado o ADN, porque o FC Penafiel é sempre uma equipa aguerrida, uma equipa que, mesmo as coisas não correndo bem, nunca vira a cara a luta, ou seja, muito perto do que é o povo duriense. Nós também começámos bem, lembro-me de andarmos lá em cima no início, mas depois as coisas desabaram.
- Regressa, então, a Penafiel, onde fica por quatro épocas. Sai depois para o Casa Pia AC, onde esteve uma temporada (a transata). Foi uma passagem singela, mas que lhe deu prazer?
- Imenso, imenso prazer. Eu penso bastante nisto: gostava de ter apanhado o Casa Pia AC numa altura diferente da minha carreira, porque do Casa Pia AC só posso falar bem, enquanto clube. E até diria que os clubes da Segunda Liga deveriam olhar para o projeto Casa Pia AC como um projeto-piloto. Deviam guiar-se pelo projeto que está a construir o Casa Pia AC, porque é aquilo que eu defendo. É um clube que vai crescer e está a crescer – tinha a certeza disso. E é um clube que vai crescer ainda mais, tenho a certeza que o Casa Pia AC vai acabar por subir de divisão – e espero que assim aconteça em breve – e, mesmo na Primeira Liga, vai dar cartas. Não tenho dúvida nenhuma, porque o projeto é extremamente sólido. As pessoas entendem de futebol, sabem o que é preciso e têm uma parte que eu também gosto bastante que é o scouting, onde eles são mesmo muito fortes. São pessoas excelentes, conseguiram construir ali um ambiente excelente. Também estão muito bem orientadas pelo mister Filipe Martins, tanto ele, como a equipa técnica são mesmo muito bons no que fazem. Eu só posso dizer bem do Casa Pia AC. Só tenho mágoa de ter apanhado o Casa Pia AC numa fase diferente da minha carreira.
- Ia perguntar se acreditava, já na época passada, que os casapianos tinham capacidade para subir esta temporada, mas já acabou por me responder. Caso subam – e partilho da opinião, também acho que vão subir -, este projeto é suficiente para depois se agarrarem vários anos à primeira divisão? Basta este projeto ou as coisas podem correr mal mesmo havendo um projeto bem definido? Pode haver aqui um novo caso GD Estoril Praia, em que sobem e dão logo cartas na época seguinte, ou as pessoas dentro do Casa Pia AC têm consciência de que precisam de solidificar o projeto para daqui a uns anos se tornarem uma equipa de primeira metade da tabela na Primeira Liga?
- É um bocado das duas. É curioso que eu ia dar até o exemplo do próprio GD Estoril Praia, ia dizer que acreditava que o Casa Pia AC subisse e que na época seguinte fosse mais ou menos o que está a ser o GD Estoril Praia agora. E acredito nisso! Acredito que mesmo dentro do projeto eles sabem que têm que fazer ajustes, mas acredito tanto no projeto e acredito tanto nas pessoas que estão à frente do projeto que acredito que eles, caso consigam subir e acho que sim, consigam fazer uma época excelente, porque vão ter ali o suporte dessas tais pessoas que fazem parte do projeto. Eles, acima de tudo, são conscientes e sabem o que é necessário para se conseguirem depois manter. É um clube que vai dar cartas e que, se continuar assim, aguentam-se uns bons anos na Primeira Liga, sem problemas nenhuns.
- O Romeu dizia que os clubes da Segunda Liga deviam olhar para o Casa Pia AC como um projeto-piloto. Eu diria que, se calhar, até alguns da Primeira Liga deveriam fazê-lo, não sei se concorda…
- Também concordo, também concordo. Acho que há clubes na Primeira Liga – pelo menos é o que dá a entender a nós que estamos de fora – que se nota que não têm um plano definido, que não sabem por onde é que querem ir. E quando assim é, são projetos a curto prazo. E esses projetos curto prazo acabam por não funcionar tão bem. O Casa Pia AC, é o que eu costumo dizer, é um projeto a longo prazo, mas é um projeto bem consolidado, eles sabem por onde querem ir, sabem o que é necessário para o conseguirem e, logo por aí, é meio caminho andado.
«Faltam dirigentes de qualidade em Portugal».
- Um dos temas recorrentes, parece-me, é a sua perceção de que mais do que os clubes ou as estruturas, de uma forma abstrata, interessam as pessoas. Estarem as pessoas certas nos lugares certos faz toda a diferença, quer na carreira dos jogadores, quer nos clubes. Falta em Portugal essa capacidade de os clubes perceberem de que, se calhar, mais do que ter uma estrutura ou ter infraestruturas, é preciso ter as pessoas certas nos lugares certos, pessoas que sabem o que fazem e que fazem o sabem? Falta isto a mais clubes, mesmo na Primeira Liga?
- Sem dúvida nenhuma, concordo a 100%. Faz falta ter as pessoas certas nos lugares certos. E acho que em Portugal temos uma falta de dirigentes de qualidade, sinceramente. Acho que vivemos um futebol onde se cobram demasiados favores. Depois, favor aqui, favor acolá, acaba por prejudicar os clubes. Às vezes, temos pessoas em lugares em que não têm capacidade para estar, porque, talvez, tenhamos que pagar o favor. E quando assim é, os clubes não andam para a frente. Eu costumo falar muito disto com pessoas ligadas ao futebol. Faltam dirigentes de qualidade. Falta muito, muito mesmo. Quer em clubes de Segunda Liga, quer em clubes de Primeira Liga.
- Quem é que precisa de abrir os olhos, os sócios e adeptos?
- Ah, sem dúvida, sem dúvida! Os próprios sócios e adeptos que, às vezes, olham… Antigamente olhavam mais para os resultados, agora também procuram saber o que se passa dentro do clube. Mas acho que é muito por aí, as estruturas não são equilibradas. Como jogador, no CD Aves, tinha um colega chamado Ricardo Nascimento e ele tinha uma frase muito engraçada, que usava muitas vezes. Guarde essa frase para o resto da minha carreira, que era “o futebol é para todos, mas nem todos são para o futebol”. E isso é claramente verdade! E, hoje em dia, há muita gente que não é para o futebol.
- Muito mais haveria a dizer sobre este tema, mas pegava agora na palavra decisão – pessoas certas nos lugares certos tomam decisões certas, como falávamos – para perguntar (até porque tenho curiosidade em saber) em que momento é que um jogador, em período de formação, decide (se é que é o jogador a decidir) qual a posição em que quer tirar a especialidade? No seu caso, quando percebeu: “a minha vocação é para médio-defensivo e vou trabalhar para ser um jogador de excelência nesta função”? Quando começou a pensar “bom, se calhar vou deixar de ver vídeos do Ronaldo, porque não vou ter tanta bola, e vou acompanhar outros jogadores, porque percebo que a minha posição é esta”?
- Acho que isso é um trabalho dos treinadores. Tentar chegar ao pé do jogador e tentar explicar-lhe isso mesmo. Eu, felizmente, tive excelentes treinadores na formação e treinadores que nos chamavam a atenção para isso mesmo, que nem toda a gente podia ser o Cristiano Ronaldo, tinha que haver alguém que, como se costuma dizer no futebol, tocasse bombo [risos]. E isso é um trabalho fundamental dos treinadores, eles é que têm que chegar ao pé dos jogadores e dizer “olha, eu acho que as tuas características são estas o que tu deves fazer é olhar mais para este tipo de jogador, que se enquadra mais com a posição em que vais estar”. Na minha posição de médio-defensivo, na altura, quem jogava no SL Benfica era o Petit e os treinadores diziam-me “olha muito para o Petit”; no FC Porto, jogava o Costinha, diziam para olhar para o Costinha. Há uma história muito curiosa em relação a isso. Quando estava no SL Benfica, na formação, nós costumávamos ir ver os jogos da equipa principal. Um dia, o SL Benfica jogou em casa para a Liga dos Campeões contra o Manchester United FC, na altura com o Cristiano Ronaldo. Lembro-me que, da equipa de juniores, estávamos ali todos juntos e recebemos todos uma mensagem no telemóvel ao mesmo tempo. Tinha sido o treinador – na altura, o Bruno Lage – que nos tinha enviado uma mensagem, nunca mais me vou esquecer. “Hoje, vocês vão estar a olhar para o jogo, mas vão fazer o exercício de cada um estar a olhar para o jogador da sua posição e tentar perceber o que é que ele faz de melhor e de pior. Vejam o jogo como treinadores e não como adeptos”. E foi muito engraçado e vai muito ao encontro do que estava a dizer de quem é que nos deve guiar para nos mostrar qual o nosso tipo de características para determinadas posições. Acho que são os treinadores.
«Bruno Lage foi o treinador que mais me marcou».
- Pegando, já agora, no exemplo do Bruno Lage… Por vezes, também os treinadores têm uma transição difícil para as equipas seniores. “Nem todos são para o futebol” e, se calhar, de entre os que são para o futebol, uns são para umas coisas e não para outras. Sentia, no caso do Bruno Lage, que ele tinha capacidade para chegar ao patamar sénior?
- Sentia e os meus colegas todos sentiam. Acho que foi a primeira vez na formação em que eu senti isso, “epá, um dia o mister de certeza que vai ter sucesso e vai conseguir chegar a um grande”. Disso não tínhamos dúvidas, porque, para já, sentíamos a paixão dele, que era um apaixonado. Depois, gostava muito de aprender também e nós acabávamos por perceber que nos treinos que ele nos dava – e os treinos dele tinham muita qualidade – captava muito a nossa atenção. Analisávamos contra quem íamos jogar e tudo o que ele dizia acabava por acontecer durante o jogo. Nós também nos apercebíamos que ele percebia daquilo, não é [risos]? Tanto é que eu, no ano em que subi de divisão no FC Penafiel – já nem sei onde o mister estava -, falava muito nele, falava muito nele, falava muito nele e o pessoal não o conhecia. Há uns tempos recebi uma mensagem de um colega a dizer “ah, afinal tinhas razão” e eu disse “pois!” [risos].
- E foi o treinador que mais o marcou, entre carreira jovem e carreira sénior?
- Ah, sem dúvida, sim, sem dúvida! Posso dizer que sim.
Bola na Rede: Neste momento, estando sem clube, está nos planos uma primeira experiência internacional?
Romeu Ribeiro: É assim, surgiram convites para eu ficar em Portugal. Tive o sonho de jogar fora, mas foi ali depois do Académico de Viseu. Senti que poderia dar o salto para fora. Não se proporcionou, também sentia que, para o futebol internacional, a minha posição é um bocado mais específica: uma posição que não faz golos, que não faz assistências, faz ali o trabalho mais sujo que ninguém liga muito, mas que é extremamente importante. Acaba por dificultar um bocado a saída. Na altura, surgiu um convite, mas, financeiramente (é mesmo assim), não compensava. A partir daí, deixou de ser objetivo. Este último ano, surgiram convites para Portugal, para fora nunca surgiu. Decidi recusar porque também decidi que era altura de retribuir à família todo o sacrifício que eles tinha tido ao ter-me longe. O meu filho também nasceu em junho e, pronto, optei por dar uma pausa, se assim podemos dizer. Respondendo diretamente à pergunta, o futebol internacional está, em princípio, está fora de hipótese. Tinha que ser uma proposta mesmo muito boa.
- Antes de mais, parabéns pelo nascimento do seu filho. Quando existia esse objetivo internacional, qual seria o campeonato mais “estilo Romeu”?
- É uma boa pergunta… Na altura, sempre me via mais no futebol italiano, um futebol muito tático, acho que era muito por aí. Acho que era um futebol a que me iria adaptar bem. Sei que é duro taticamente, mas eu gosto disso. Gosto… não lhe queria chamar rigidez tática, mas gosto.
- Já começa a mudar um pouco o futebol italiano…
- Muito, muito, e ainda bem. Mas, mesmo assim, acho que há uma riqueza tática e eles ligam muito a isso, acho eu… Também ia ouvindo as declarações do Paulo Fonseca o ano passado e ele falava muito nisso.
- O próprio Mourinho acabou por dar lá lições táticas em 2010…
- Sim, acho que até isso fez menos bem ao mister José Mourinho, que, a partir daí, tornou-se mais tático um bocado.
- Depois da aposentadoria como jogador – espero que não esteja para breve -, vai continuar no mundo do futebol? Como dirigente, já que faltam dirigentes de qualidade, como scouter, já que dizia que gostava dessa vertente? Ou o futuro pós-jogador não passa pelo desporto-rei?
- Ah, passa pelo futebol, sem dúvida nenhuma. É onde eu me sinto bem, é onde gosto de estar e já tirei dois níveis de scouting, estou a tirar agora o segundo nível de treinador também e um dos objetivos passa também por tirar um curso de dirigente desportivo. Também era por onde eu gostava muito de passar, acho que era onde eu me via a trabalhar no futebol: como diretor desportivo, sem dúvida nenhuma. Estou a tirar o segundo nível de treinador também porque o mister Filipe Martins, o ano passado, passou o ano todo a “chatear-me” com isso, a dizer que eu tinha jeito para aquilo [entre risos]. Eu dizia “não, não sei bem se tenho, mas, pronto, vou lá tirar as teimas, também não perco nada por isso”. O scouting é uma paixão desde pequeno, mas onde me via mesmo, mesmo a trabalhar era como diretor desportivo.
- Para fechar em ciclo, qual é o clube de sonho para trabalhar como diretor desportivo: o FC Penafiel ou o SL Benfica?
- Eu gosto de apontar bem lá para o alto, por isso gostava que fosse o SL Benfica, sem dúvida nenhuma. Era um sonho, não é, era excelente. Quem é que não gostava? Mas não me importo de começar por baixo [risos].
Romeu Ribeiro, ficou muito por perguntar e por dizer, naturalmente, mas é tudo da nossa parte. Muito obrigado pelo tempo, pela disponibilidade e pelas histórias!"
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