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sexta-feira, 17 de julho de 2020

O martelo de Nietzsche XI

"1. O Instituto Português do Desporto e Juventude apresentou um interessante estudo intitulado “Plano de Actividades 2020 - Impacto da COVID-19 - Inquérito às Federações Desportivas Junho 2020” cujo objectivo foi o de apurar a situação das Federações Desportivas devido aos constrangimentos provocados pelo Covid-19. A primeira constatação que se retira da leitura do estudo é a serenidade demonstrada pelas generalidade das Federações Desportivas que contrasta com o histerismo do tipo baratas tontas de alguns dirigentes da cúpula do associativismo desportivo. Mas as Federações Desportivas estão calmas porquê? Muito provavelmente porque sabem que o desporto internacional só vai abrir quando estiver garantida a segurança absoluta, na generalidade dos países do Mundo, relativamente ao Covid-19. E porque, para além de um ou outro dirigente mais histriónico que se põe a inventar à custa da saúde dos atletas e do dinheiro dos contribuintes, já perceberam que é perfeitamente idiota tentar gerir o que quer que seja no quadro de uma situação que não controlam minimamente. Por isso, quando o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) vai ao Presidente da República lamentar-se que “faltam respostas” ele não faz, certamente, a mínima ideia de quanto tem razão, mas está enganado. E porquê? Porque, no quadro do no Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo n.º CP/1/DDF/2018 (DR, 2.ª série - N.º 18 - 25 de Janeiro de 2018), Ele é a Resposta. E a prová-lo aí está a serenidade da generalidade das Federações Desportivas. E o Governo agradece.
2. José Manuel Araújo é uma figura de alta estatura do nacional olimpismo. Ele é Secretário-geral do Comité Olímpico de Portugal. Embora a tradição já não seja o que costumava ser, a figura de secretário geral dos Comités Olímpicos Nacionais (CONs) é aquela que, geralmente, ocupa o segundo lugar na ordem da estrutura hierárquica das instituições. E porquê? Porque, ao contrário daquilo que alguns possam pensar Pierre de Coubertin não foi o primeiro presidente do Comité Olímpico Internacional (COI). Ao tempo, em 1894, os fundadores do COI estabeleceram que o presidente da instituição deveria ser da nacionalidade do país em cuja cidade se realizaria a próxima edição dos Jogos Olímpicos. Em conformidade, como foi decidido que a primeira edição dos Jogos Olímpicos da idade moderna seria realizada em Atenas, era necessário eleger um presidente grego. E o escolhido foi o grego Demetrius Vikelas. E Coubertin, que era a única pessoa com conhecimento, motivação e capacidade para pôr a máquina olímpica a funcionar, passou a exercer as funções de Secretário Geral da instituição pelo que, devido à incompetência Vikelas, acabou por ser ele a liderar o COI. Na realidade, se não fosse Coubertin nunca a primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna teria sido realizada em Atenas em 1896. A partir de então, o lugar de secretário geral dos CONs passou a ter uma importância fundamental como tradição o que, de alguma maneira, ainda acontece no caso português. Assim sendo, não se percebe nem se aceita que José Manuel Araújo tenha anunciado a sua candidatura à presidência da Federação Portuguesa de Ginástica (FPG) cujas eleições decorrerão no próximo mês de Dezembro (Record, 2020-06-02). Diz Araújo que se candidata para “renovar a ginástica em Portugal”. Que “é o momento certo para dar início a uma nova fase”. E diz que quer ser “uma lufada de ar fresco”! E, para além de anunciar umas medidas avulso sem qualquer frescura, diz que vai criar um “Conselho de Ética”. Recomendo-lhe que comece por perguntar ao futuro Conselho de Ética sobre a eticidade da candidatura à presidência de uma Federação Desportiva anunciada por um secretário geral em exercício de um Comité Olímpico Nacional (CON). Não acredito que não existam antigos ginastas em muito melhores condições para presidir aos destinos da ginástica nacional.
3. JM Constantino, presidente do COP, no prefácio ao livro “E-Sports: O Desporto em Mudança?”, diz que é necessário “indagar se é possível ao desporto continuar a invocar o seu valor educativo, a sua dimensão cultural e a sua importância na saúde pública e ‘simultaneamente’ acolher práticas cuja dimensão salutogénica começa a ser questionada pelas mais importantes instâncias científicas internacionais…”. Ele tem razão. Mas não chega ter razão é necessário agir em concordância sobretudo quando se tem responsabilidades institucionais como são as de um presidente de um CON. Assim, considerando que: (1º) No preâmbulo do Regulamento do Conselho de Ética do COP pode ler-se: “Tomando em consideração que, de acordo com a Regra 27, n.ºs 1 e 2.2., da CO (Carta Olímpica), é missão do COP “desenvolver, promover e proteger o Movimento Olímpico, bem como assegurar a observância da CO em Portugal, na salvaguarda dos seus princípios e valores essenciais”; (2º) A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) que é membro ordinário do COP, vai desenvolver um programa “FPF na Escola” (A Bola, 2020-07-04) a fim de “promover o futebol entre as crianças dos 6 aos 10 anos, desenvolvendo um dia aberto em cada escola básica do 1º Ciclo….”, sugere-se ao presidente do COP que solicite ao Conselho de Ética do COP presidido por Marçal Grilo que esclareça o Governo em particular e o País em geral se, do ponto de vista ético e das melhores práticas pedagógicas, é aceitável promover programas de futebol para crianças a partir dos 6 anos de idade com o concurso de antigos jogadores internacionais de futebol. E, claro, sobre este assunto tomasse uma posição pública.
4. Em declarações à agência Lusa / O Jogo (on line) (2020-07-14), João Rodrigues um dos mais prestigiados atletas olímpicos e actual presidente da Comissão de Atletas Olímpicos (CAO) estrutura incluída nos estatutos do Comité Olímpico de Portugal, afirmou que a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto "não tem peso político no Governo" e que o Ministério da Educação "não tem o desporto como prioritário" entre as diversas áreas que tutela. João Rodrigues está certo, mas não tem razão. Está certo na medida em que nem a Secretaria de Estado nem o Ministério têm qualquer peso no governo e ainda bem na medida em que não se lhes reconhece a mínima competência técnica ou ideológica na matéria. Mas João Rodrigues não tem razão na medida em que se os governos há mais de quarenta anos, salvo uma ou outra excepção, não têm consideração nenhuma pelo desporto é porque os dirigentes desportivos; salvo algumas excepções, não se dão ao respeito. E, quando se dão, são ostracizados e perseguidos. Um desporto que aceita que o presidente do Comité Olímpico acumule com a presidência do Conselho Superior de Desporto não se dá ao respeito. Um desporto que aceita que os dirigentes se perpetuem agarrados ao poder é um desporto que não se dá ao respeito. Um desporto cujos processos eleitorais, do ponto de vista democrático, deixam muito a desejar… etc.
5. Recordo a João Rodrigues que, há mais de quinze anos, foi assinado entre o Instituto do Desporto de Portugal e o Comité Olímpico de Portugal o Contrato-programa de desenvolvimento desportivo nº 48/2005 (DR - II Série Nº 70 - 11 de Abril de 2005). Entretanto, o contrato foi por diversas vezes reafirmado. Em consequência, hoje, o COP, para além da Carta Olímpica e da própria Lei de Bases da Atividade Física e Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro) funciona sob as normas estabelecidas no Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo n.º CP/1/DDF/2018 (DR, 2.ª série - N.º 18 - 25 de janeiro de 2018) e, em consequência, está transformado numa espécie de repartição da administração pública que sob o controlo do Instituto Português da Juventude e do Desporto ao qual, por obrigação do contrato tem de prestar contas em várias matérias, põe em execução as políticas públicas de desporto determinadas pelo Governo. Por isso, quando João Rodrigues diz que a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto "não tem peso político no Governo" e que o Ministério da Educação "não tem o desporto como prioritário" ele tem toda a razão, o problema é que o COP ao colocar-se na dependência da Administração Pública através de contratos programas abdica da que poderia ter. E este, pela mais confrangedora falta de visão estratégica é um dos principais problemas do desporto nacional. Por isso, quando o presidente do COP vai ao Presidente da República dizer que “faltam respostas” está completamente enganado. Ele, na qualidade de presidente do COP, é a resposta que o poder político, desde 2005, encontrou para, sem grandes preocupações e nenhumas responsabilidades, administrar e controlar o desporto português. Quando um CON assina um contrato programa que o coloca debaixo da supervisão da tutela político-administrativa deixa de ser uma entidade parceira e passa a ser uma entidade tutelada e, em conformidade, tratada como tal.
6. João Rodrigues ainda apelou para uma reflexão sobre a importância do desporto na sociedade portuguesa. Tem toda a razão, mas não é ao Estado que compete promover essa reflexão. A última vez que o Estado se meteu nisso, ao tempo do XVII Governo foi um desastre. Quem a tem de promover são as organizações de cúpula do livre associativismo. O problema é que, actualmente, estas organizações não passam de extensões civis da estrutura estatal. O sistema, desde 2005, perdeu liberdade, capacidade crítica e embruteceu porque foi instituído um silêncio gerador de subdesenvolvimento.
7. Valha-nos Nossa Senhora de Fátima. O Brasil registou na passada quarta-feira (2020-07-15), 75.366 mortes devido ao Covid-19 e 1,96 milhões de infetados. Portugal relativamente à mesma data registou 1.676 mortes e 47.426 infetados com um aumento de 375 casos relativamente ao dia anterior. Entretanto, a Secretária de Estado do Turismo em Portugal afirmou (2020-07-15) que o Reino Unido que é o maior consumidor do turismo português deverá manter no final do mês Portugal fora dos corredores aéreos. Perante este cenário, a partir de Julho, Portugal vai receber pelo menos 200 atletas olímpicos brasileiros para além de técnicos e dirigentes que vão estagiar em Lisboa, Cascais e Rio Maior. Jorge Bichara director do Comité Olímpico Brasileiro (COB), explicou que Portugal foi escolhido entre outras razões, porque é um dos países que superou a pandemia mais rapidamente (!!!). As autoridades portuguesas, para além de terem deixado passar a imagem de que, por acção e graça de Nossa Senhora de Fátima, o problema estava ultrapassado, puseram-se a inventar sobre o desconhecido e hoje o custo de tal atitude cifra-se em centenas de milhões de euros de prejuízos com Portugal fora dos corredores aéreos que alimentam o turismo por motivos de não terem sido capazes de controlar a pandemia. Entretanto aguardam-se 200 atletas brasileiros. Valha-nos Nossa Senhora de Fátima.
8. JM Constantino, o presidente do COP, relativamente aos atletas brasileiros informou o Kombat Press (Consultado em 2020-07-16) que a passagem da delegação olímpica brasileira pelo nosso país representa um impacto de 2,5 milhões de euros para Portugal !!! E acrescentou que estes treinos em território nacional “tem uma vantagem naturalmente desportiva, mas tem, sobretudo, uma enorme importância no plano diplomático e no plano económico.”!!! É assim que o desporto vai em Portugal! Temos a mais baixa taxa de participação desportiva da EU, resultados nos Jogos Olímpicos tristemente fracos, uma situação pandémica que está a prejudicar tragicamente a prática desportiva nacional e o Sr. Presidente do COP está preocupado com as eventuais questões diplomáticas e económicas do desporto relativas à vinda a Portugal de uns atletas brasileiros com enormes riscos para os portugueses. Quanto é que tudo isto custa a Portugal e aos Portugueses? Como dizia o outro, uma pipa de massa. Para já… salve-se quem puder.
9. Uma pesquisa realizada em Junho pela Kyodo News e pelo canal de televisão Tokyo MX, concluiu que mais de metade dos residentes de Tóquio não desejava os Jogos Olímpicos na sua cidade em 2021. Entretanto, a opinião pública tem-se vindo a agravar uma vez que, numa nova pesquisa realizada desta feita pela Japan News Network, 77% dos habitantes de Tóquio não está de acordo com a realização em 2021 dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos na sua cidade. Só 17% acredita que os Jogos podem ocorrer em 2021. Entretanto, o que se sabe é que os Jogos a ocorrerem será através de um programa simplificado muito embora o espectro do cancelamento devido à pandemia, mas, também aos custos é uma possibilidade que está no espírito de muitos responsáveis. Uma coisa parece ser certa. Sem vacina nunca haverá Jogos. Mas não é tudo. Thomas Bach continua com um discurso enigmático e vai dizendo que o mais fácil teria sido cancelar os Jogos. E porquê? Porque se os problemas desportivos com mais ou menos desacordos são possíveis de resolver já os problemas logísticos são tremendamente difíceis. É a Aldeia Olímpica, os hotéis, os transportes, a bilheteria e, entre outros, os voluntários. Ora, organizar tudo isto em regime de urgência, para além dos problemas burocráticos, vai fazer crescer os custos para valores exorbitantes que os habitantes de Tóquio já começaram a perceber que, no final da festa, a Família Olímpica faz a mala e vai-se embora, mas as facturas ficam em Tóquio para os seus habitantes pagarem.
10. Na Grécia antiga, na ética de autenticidade que caracterizava a lógica comunitária da sociedade, como referia Nietzsche, era impossível separar a palavra agôn da tríade jogo, festa e sagrado. Porque, na defesa da nobreza de espírito, o sentimento que devia resultar da disputa era a possibilidade sempre presente de se renovarem as forças vitais em busca da superação e da excelência da competição como motor da sociedade grega. Foi este o espírito que Coubertin, enquanto helenista que era, tinha na sua mente ao lançar, em 1892, a ideia do renascimento na era moderna dos Jogos Olímpicos da antiguidade. O problema é que, a partir de Antonio Samaranch um ilustre franquista que exerceu a liderança do Comité Olímpico Internacional de 1980 a 2001, o sagrado foi substituído pela diplomacia dos negócios quando cunhou a famosa metáfora: “Yes to commercialization”. Ao fazê-lo, corrompeu o triângulo vital que, na sua ancestralidade, comandava o Espírito Olímpico. Quer dizer, Samaranch abriu o Movimento Olímpico aos negócios e, sobretudo, a uma certa diplomacia pacóvia e ignorante que o está a conduzir para uma nova autenticidade caracterizada pela ausência de quaisquer valores de ordem ética, centrada no egoísmo, no individualismo, no narcisismo e na mais descarada falta de vergonha. E não creio que seja com a Agenda 2020 de Thomas Bach que, algum dia, o Movimento Olímpico poderá renascer sobre as cinzas do Covid-19 que, com grande oportunidade, está a trazer à luz do dia as misérias do Movimento Olímpico moderno nos mais diversos países do Mundo."

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