"Eu queria e quero muita liberdade de informação e muito escrutínio, mas não queria nem quero palhaçadas. Não aprecio.
Há coisas que eu não consigo perceber ou até percebo bem mas não me entram na cabeça. Algumas dessas coisas são certos aspectos da mediatização da justiça, que não são bons nem para a liberdade de informação, nem para a justiça, nem para nada (para nada de bom e útil à coisa pública, entenda-se, pois outras utilidades terão certamente). Não está em causa – antes pelo contrário – a importância crucial que a liberdade de informação tem numa sociedade livre e madura, e também não está em causa – também muito pelo contrário – a necessidade de escrutínio da justiça (que, aliás, entre nós é muito pouco, ao contrário do que a barulheira circense quotidiana faz parecer; falo de escrutínio verdadeiro e próprio, análise, leitura, crítica ponderada e com conhecimento de causa e trabalho, não do espectáculo ao minuto do “homem que mordeu o cão”). É que uma coisa é informar e escrutinar, outra é entretenimento puro e simples, palpites, barulheira, precipitação, manipulação pelas fontes, fretes, coisas apressadas, frenesim desesperado pela caixa e por ser o primeiro, bem como a necessidade de encher espaço pretensamente noticioso (e muito espaço há para encher) com qualquer coisa, o que for, o que houver, o que vier, nem que seja a primeira coisa que salte à cabeça, ou o que disseram, o que assopram, ou o que parece, ou qualquer coisa, tudo serve, nem que seja a repetição do mesmo e do mesmo, e assim por diante. Há muitos exemplos mas, nesta semana em que escrevo, há dois muito ilustrativos. Sou advogado nos dois processos, que fique claro, mas não vou falar deles, nem está em causa o seu mérito ou demérito nem a sua relevância noticiosa.
O que está em causa é o espectáculo em volta deles, e em ambos os casos quase sempre sem se saber bem do que se está a falar, porque num caso não sabem o que está em causa e, noutro, ainda não tiveram tempo de saber. Num caso, alguém soltou uma dica, daquelas dicas (aliás, com impressão digital identificável) cuja intenção é encher a trincheira de água e estrume para tentar pôr lá alguém a patinar na lama malcheirosa. E a partir daí, cá vai disto, um caleidoscópio de números com acrobatas, trapezistas, cães amestrados, ilusionistas e engraçadinhos, tudo a palpitar e a lucubrar sobre o que não sabe e não conhece. No outro caso saiu uma acusação (aliás, numa saída com uma mise en scène de alto lá) com milhares de páginas e, umas horas depois, já estava toda a gente ciente do que lá estava, a dizer, a escrever, a opinar, a perorar, a comunicar, tudo numa beleza de rigor, esclarecimento e ponderação. Admirável, a capacidade e a velocidade de leitura. Senti-me muito burro porque eu, para ler milhares de páginas, levo algum tempo. Mas isso sou eu, que além de lento devo estar fora de moda. Eu queria e quero muita liberdade de informação e muito escrutínio. Mas não queria nem quero palhaçadas. Desculpem, mas não aprecio. É uma questão de gosto. Há quem diga que às vezes escrevo coisas pouco claras. Creio que desta vez estou a ser clarinho como água – isto é um espectáculo que pode servir para muita coisa, desde logo para entreter, mas para mim não é nem informar nem escrutinar. E de circo, de que nunca gostei muito (embora respeite), deixei de gostar definitivamente por volta dos dez anos de idade. Porém, não devo ter razão nenhuma, até porque sobreleva o sagrado princípio que manda que o show tenha de continuar. Façam favor – quem sou eu para protestar sequer? –, mas não me entra na cabeça que tenha algo de bom. Entretanto vou continuar a ler, com a minha lentidão de burro (quase a mesma que emprego a escrever, excepto em copy and paste, e mesmo aí demoro a formatar e a procurar concordâncias e coerências), e desculpem qualquer coisinha."
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