"Estamos a assistir a uma progressiva radicalização da sociedade portuguesa, onde os extremos ganham força, cada um alimentando o outro. Ao mesmo tempo, no espaço público, está aberta via verde para a cultura do ódio, onde não há adversários, apenas inimigos. Este caminho, se não for, entretanto, arrepiado, fará de nós um País pior.
O futebol, congregador de massas e portento de força mediática, não tem contribuído para a pacificação da sociedade, e os pirómanos ao serviço dos clubes têm encontrado respaldo em decisões frouxas dos tribunais, que desvalorizam a ofensa que aconteça nesse ambiente específico.
O caso Marega abre-nos portas para uma discussão profunda e devemos estar gratos pela pedrada no charco de Guimarães. O racismo deve ser combatido sem tréguas nem quartel; mas, e toda a restante violência associada ao futebol, que tem sido atacada com punhos de renda por juizes diletantes, governantes temerosos e dirigentes de vistas curtas?
O que aconteceu a Marega é intolerável. Mas igualmente intoleráveis são os cânticos que há décadas somos obrigados, sem que ninguém se rebele, a ouvir nos nossos estádios, seja «SLB, SLB; SLB, filhos da p...», seja «Em cada tripeiro há um p...», ou «Em cada leão há um c...».
Aos juízes, pergunto por que razão há de uma ofensa num estádio ser menos ofensa do que num tribunal? Aos governantes, pergunto se já não é tempo de se mostrarem de espinha direita e legislarem sem medo dos lóbis do futebol? E aos dirigentes, a pergunta que deixo é simples; querem matar a galinha dos ovos de ouro e, pactuando com a violência, liquidar uma indústria que tem tudo para ser próspera?"
José Manuel Delgado, in A Bola
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