"O primeiro confronto do Benfica então União Soviética teve lugar em Setembro de 1977. Bento foi a figura da noite ao defender uma grande penalidade e ao converter o pontapé decisivo da eliminatória da Taça dos Campeões contra o Torpedo
No dia 28 de Setembro de 1977, o Benfica estava pela primeira vez em Moscovo. Era uma equipa muito jovem, essa, orientada por John Mortimore. Volta e meio pagava os custos de uma inevitável inexperiência.
Depois do empate a zero em Lisboa, não restava aos encarnados mais do que irem em busca de um golo em casa alheia. Mas as coisas complicaram-se. Um frio bruto, um terreno seco, a habitual tendência do técnico inglês para nunca correr muitos riscos. E o que se viu foi um Benfica à defesa, tentando aqui e ali um contracolpe que pusesse em perigo a baliza do seu adversário, o Torpedo.
Conhecidos como 'Os Automobilistas', pela sua ligação às fábricas de automóveis AMO e ZIS, os jogadores do Torpedo eram, na altura, orgulhosos campeões da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, terceiro título da sua história, depois dos de 1960 e 1965. Hoje estão mergulhados nos confins da II Divisão.
Contavam, à época, com dois avançados concretizadores: Iurin e Sakharov. Eram eles o maior perigo para as redes de Bento, o herói da noite moscovita. Mortimore fez marcação individual aos dois primeiros, com Eurico e Pietra, respectivamente, e deixou-os aos papéis por falta de proximidade com os companheiros. Começou aí a ganhar a eliminatória.
As serpentinas de Chalana
O futebol acabou por ser maltratado. Ah! Mas havia Chalana e o seu futebol mágico de serpentinas. De súbito, sem que fosse esperado, saltava da sua caixa com um demónio sorridente e partia na aventura de dobrar adversários como se fossem esquinas. Aqui e ali, dava um toque de supina qualidade ao jogo que dela precisava.
Desde os minutos iniciais que o nulo era previsível.
Foi-se congelando sobre o relvado, foi-se interiorizando na cabeça dos poucos mais de 15 mil espectadores presentes no estádio emprestado pelo Dínamo.
Uma hora, uma hora e meia, mais meia hora de prolongamento. O tempo passava, e o resultado, não.
Seriam as grandes penalidades a decidir a contenda e a manter aceso para o Benfica o sonho de voltar a Wembley para jogar uma final da Taça dos Campeões Europeus. Apesar dos avisos de Toni: 'Não temos equipa para grandes voos'.
As defender o penálti de Iurin, Bento proporcionou a José Luís a vantagem por 2-0. Em seguida, Nikonov rematou para fora. Chalana: 3-0. Balenkov: 3-1. Pontapé definitivo. Ou não. Bento chamou a si a bola e foi com ela debaixo do braço até à marca redonda que fica no centro da grande área. Chutou forte, e Zarapin nada pôde fazer. Era o sexto pontapé de grande penalidade que convertia. Bento e a sua figura de cavaleiro andante, cabelos longos, bigode descaído nas pontas. Vi-o marcar um penálti na Luz numa daquelas tardes de 120 mil pessoas. Vi como os adeptos o adoravam. Como os companheiros lhe dedicavam um respeito infinito. Vi-o com os olhos da amizade.
Durante a tarde, antes do jogo, Vítor Baptista resolveu que não estava em condições de entrar em campo. Desmentindo o médico, considero-se inapto. Além disso, tinha nessa semana um jogo da selecção, contra Dinamarca. Era assim, o Vítor. Ele no centro do mundo. 'O maior!', dizia de si mesmo. Ferreira Queimado foi aos arames. Garantiu-lhe uma suspensão por longo tempo. Não foi bem assim. O Benfica precisava de Vítor Baptista. Só Nené não chegava para as encomendas e Mário Wilson (filho) não encontrava os caminhos do golo.
Em Moscovo, a noite entrava numa escuridão profunda enquanto os benfiquistas comemoravam a eliminação dos soviéticos. Os jogadores do Torpedo é que não estiveram para aturar festejos: desapareceram nas cabinas mal soou o apito final do sueco Erik Fredriksson. Um vento frio penetrava a pele até aos ossos, mas não podia nada contra o calor da alegria vermelha."
Afonso de Melo, in O Benfica
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