"Com estes e outros números, cada qual que tire as suas conclusões, sobretudo quanto à sustentabilidade nos moldes actuais
1. Esta é a última semana sem jogos oficiais a valer. Dentro de dias, eis o dealbar da nova temporada com um jogo a que alguns, exageradamente, chamam uma competição com direito a título. A Supertaça, em boa hora denominada Cândido de Oliveira, é tão-só uma partida (já foram duas) entre o campeão nacional e o vencedor da Taça de Portugal, que até pode ser o vencido se a equipa que levantou a taça tiver feito a dobradinha (não é o caso este ano). Perguntou-me, às vezes, por que razão no caso de o vencedor das duas provas ser o mesmo, não poderia ser antes o vencedor das duas competições, logo também da Taça, a jogar contra o 2.º classificado do campeonato. Acontece que, nos moldes actuais, dá-se mais importância ao vencido da Taça do que ao vice-campeão nacional.
Vem a propósito da Supertaça, falar de uma moda que é completamente falaciosa. Refiro-me a se querer meter no mesmo saco títulos e taças. Títulos só há um que eu saiba: o de campeão. Os outros troféus não o são. Conquistas sem dúvida meritórias, mas tão-só de taças maiores ou menores. Ou será que alguém troca ser campeão pela conquista da Taça de Portugal, Taça da Liga ou da Supertaça em 90 minutos? Não as estou a desvalorizar, tanto que bem gosto de as ganhar, mas apenas a enquadrá-las en su sitio.
2. Neste período entre épocas, ainda há futebol para além do mercado. Certamente não tão excitante, nem tanto de pendor actualista ou fantasista. Falo da análise estatística a que temos acesso por via de números oficiais devidamente avalizados.
Há uns dias, tive a curiosidade e o interesse em analisar o Anuário do Futebol Profissional Português da responsabilidade da Liga de Portugal e da EY (época 2017-18), em boa hora tornado público. Trata-se de um documento bem traçado e com informação preciosa para quem gosta de perscrutar também outras expressões do futebol, para além dos jogos. Da sua leitura, gostaria de salientar alguns dos pontos que me chamaram mais a atenção, no que se refere à Liga correspondente à Primeira Divisão:
- Agregadamente, a percentagem de assistência média face à capacidade dos estádios atingiu 59%, ou seja, cerca de 12.000 espectadores. Se compararmos esta média global com as das principais ligas, verificamos que estamos longe da Alemanha (46 mil) e Inglaterra (38 mil), mas, em menor divergência com a Espanha (27 mil), Itália (25 mil), França (23 mil) e Rússia (14 mil).
Como no site da Liga Portugal podemos também já consultar os dados mais actualizados referentes à época 2018/19, acrescento aqui dois quadros referentes a este período, bem elucidativos quanto à distância entre os clubes.
Assistências na Liga
Clubes - Média - Total
Benfica - 53824 - 25,6%
Porto - 41626 - 19,8%
Sporting - 33691 - 16,0%
Guimarães - 18249 - 8,7%
Braga - 12035 - 5,7%
Boavista - 8155 - 3,9%
Marítimo - 6622 - 3,1%
Setúbal - 4784 - 2,3%
Chaves - 4550 - 2,2%
Santa Clara - 4010 - 1,9%
Rio Ave - 3630 - 1,7%
Portimonense - 3313 - 1,6%
Feirense - 3049 - 1,4%
Belenenses - 2889 - 1,4%
Tondela - 2702 - 1,3%
Nacional - 2595 - 1,2%
Aves - 2454 - 1,2%
Moreirense - 2275 - 1,1%
Ocupação Média dos Estádios
Clubes - Ocupação
Benfica - 84%
Porto - 83%
Sporting - 67%
Marítimo - 63%
Guimarães - 61%
Portimonense - 56%
Feirense - 56%
Chaves - 54%
Tondela - 54%
Nacional - 47%
Santa Clara - 47%
Rio Ave - 41%
Braga - 40%
Aves - 39%
Moreirense - 37%
Boavista - 30%
Setúbal - 30%
Belenenses - 10%
O Benfica recebeu 25,6% do total de espectadores, ou seja, descontando o Porto, Sporting, Vitória SC e Sp. Braga, mais do que os outros 13 clubes juntos (24,2%), atingindo até um valor médio de número de assistentes (53824) que ultrapassa folgadamente a lotação máxima de todos os outros estádios. Há 8 clubes que, para o acumulado de toda a época, tiveram menos espectadores do que um simples jogo do Benfica! Já os 3 grandes juntos representam 61,4% do valor total. Há 11 clubes com assistências inferiores a 5000 adeptos. A situação ficaria ainda mais desequilibrada e chegaríamos a valores verdadeiramente deploráveis se, para estes clubes, se retirassem os jogos em que receberam SLB, FCP e SCP.
Verifica-se uma razoável correlação entre a classificação final na competição e a média de espectadores. Por exemplo, quanto aos primeiros 5 classificados, apenas há a alteração entre o Sp. Braga e o Vitória SC, o que, aliás, não é novidade face à recorrente diferença da taxa de ocupação do estádio vimaranense (61%) face ao bracarense (só 40%). Curiosa é a situação do Morereinse, que tendo feito um brilhante campeonato (6.ª lugar) ocupa o último posto na média de espectadores (só 2275 por jogo!). Por fim, realçam-se, pela positiva, a média de ocupação do estádio do Marítimo (63%), só superado pelos 3 grandes e, pela negativa, a deplorável média de 10% do Belenenses SAD, a que, entre outros factores, não é alheia a migração para o Jamor. Também muito baixas são as percentagens do Vitória FC no seu velhinho estádio a implorar melhores condições e, como já assinalei, do Sp. Braga no novo e belo estádio.
Se também nos detivéssemos na divisão secundária, poderíamos constatar que há 3 clubes que entrariam na divisão principal de assistências - Famalicão, Paços de Ferreira e Académica -, os dois primeiros, aliás, a ela promovidos. Mendicante é o facto de, nesta divisão, 12 equipas terem uma média inferior a um milhar de pessoas nos seus campos. Com tão pouca gente nos estádios portugueses, talvez devesse, desta vez, ter adoptado o AO escrevendo espeta(dor) em vez de espectador...
- Já quanto às receitas de direitos televisivos, em 2017, o valor total na Liga atingiu 144 milhões de euros, sendo que a fatia francamente maior se relaciona com os três grandes. E se, nestes, tais rendimentos não ultrapassam 21% do total das suas receitas, nos clubes mais pequenos evidencia-se claramente a sua forte dependência dos mesmos, pois constituem quase metade do total de receitas. Ainda aqui a comparação com as maiores ligas é por demais elucidativa. Basta dizer que o último classificado da Liga Inglesa da mesma época recebeu quase tanto como o conjunto de todos os clubes em Portugal (Sunderland, 107 milhões). Ou referir que as receitas de televisão cegaram (em 2016-17) a 3,6 mil milhões na Inglaterra (das quais 45% de exportação para mercados internacionais), seguido pela Espanha com 1,6 mil milhões (38% para fora) e Alemanha com 1,3 mil milhões (14% fora).
- Um outro valor que me chamou a atenção relaciona-se com o gasto em remuneração dos atletas, que atingiu os 198 milhões de euros para um total de 1471 jogadores (das duas divisões profissionais). Assim sendo - e não havendo dados desagregados para a principal Liga - o valor médio de retribuição por atleta foi de 9615 por mês (contanto 14 meses). Esta média, porém, não nos evidencia o certamente elevadíssimo desvio-padrão entre os profissionais dos principais clubes e o conjunto global.
- Na Liga principal, verifica-se que o total do passivo das 18 sociedades desportivas foi de 1283 milhões, superando o total de activos que alcançou 1274 milhões. O valor agregado de resultados líquidos foi de 36 milhões negativos, só havendo 7 SAD com valores positivos.
Estes e muitos outros indicadores dão uma ideia das dificuldades e dos desafios que se colocam às SAD. Assim, como evidenciam um agravamento do fosso entre os principais clubes e todos os outros, quanto a condições logísticas, ao acesso a mercados financeiros, a receitas não recorrentes ou aos direitos televisivos. Com estes e outros números, cada qual que tire as suas conclusões, sobretudo quanto à sustentabilidade da actividade nos moldes actuais.
3. Termino, este breve itinerário da minha leitura pelo excelente Relatório, com algumas curiosidades quanto aos jogos da principal competição:
- nas segundas partes dos desafios marcaram-se mais golos (54%) do que nos primeiros 45 minutos (46%);
- quanto à importância do 1.º golo, verificou-se que quem marcou primeiro saiu vencedor em 67% dos encontros;
- nos últimos 15 minutos dos jogos (ou seja em cerca de 16% do tempo total) marcaram-se 25% dos golos;
- foram mostrados 1330 cartões amarelos, o que dá uma média de 4,4 por jogo;
- houve 87 cartões vermelhos, o que significa 1 por cada 4 jogos realizados;
- houve 33 faltas por desafio. Se consideramos um tempo jogado total de 95 minutos, estamos a falar de 1 falta em cada 2m53s, um número muito elevado que prejudica o espectáculo e, por vezes, a verdade desportiva;
- o factor casa pesou menos que eu julgaria: só em 52% das partidas os visitados venceram."
Bagão Félix, in A Bola
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