"10 dias após morte dos pais num acidente, o destino mudou-se-lhe; Padre pô-lo a caminho do paraíso
1. A mãe era escriturária, o pai era soldador - e tinha sido guarda-redes do Alverca. Pela mão dele ganhou a paixão pelo futebol. «Começávamos de manhãzinha, voltávamos à hora de almoço a casa, comíamos - e às três da tarde regressávamos ao campo. Viámos os escalões todos do Alverca - e aos 9 anos também eu fui jogar».
2. João Alves e Platini, Zidane e Rui Costa foram os ídolos que se lhe agarram ao fascínio. Até aos 17 anos mostrou-se sempre bom aluno - e, de um instante para o ouro, derrapou no destino: «Cheguei ao 12.º ano, estava, então, a treinar nos juniores e a jogar nos seniores do Alverca. Decidi armar-me em futebolista apenas - e chumbei. Foi uma lição».
3. Ter jogado no Alverca na II Liga, com Mário Wilson a treinador - foi o seu pináculo como futebolista, os demais clubes por onde cirandou foram o Fanhões, o Vilafranquense, o Seixal, o Casa Pia, o Alcochetense. «Só não fui um bocado mais longe porque, na altura, havia em mim a preocupação de fazer o curso de Educação Física».
4. De um instante para o outro, mudou-se-lhe o futuro - no dia 1 de Outubro de 2002. «Tinha 32 anos, era médio-centro do Alcochetense, desafiaram-me para treinador do Vilafranquense. Não era normal jogador da terceira divisão ser convidado para treinar na segunda. Nesse mesmo domingo também me convidaram para treinar o Alcochetense. Como tinha falado meia hora mais cedo o Vilafranquense, foi para lá que fui. Abandonei como jogador - e continuei a dar aulas».
5. Dias antes, a 21 de Setembro, os pais morreram-lhe num acidente de automóvel. «A minha mão viva preocupada, sempre a perguntar-me: 'O que é que vai acontecer quando deixares de jogar, como é que vais alimentar a tua paixão pela bola?' Eu dizia-lhe: desde que me deem uma equipa de juniores para treinar já fico satisfeito! Fui eu que os levei para a cova, acompanhei-os até ao fim no caixão - e estejam onde estiverem, hão de estar sempre a torcer por mim, cada passo que dou, cada sucesso que atinjo, naturalmente que é para eles».
6. Logo nesses primeiros tempos de treinador no Vilafranquense apanhou drama diferente (que se repetiu): «Houve momentos em que entrámos em campo com uma faixa a reivindicar ordenados. Os salários eram muito baixos, havia jogadores que já nem tinham dinheiro para ir ao treino, deixaram de jogar - eu tinha de dar resposta à situação, apreendi ali».
7. O Benfica convidou-o para seu treinador de juniores - ficou a 15 minutos de ser campeão (um arbitragem polémica em jogo contra o Sporting de Paulo Bento levou-lhe o sonho). Na época seguinte, decidiu largar o posto, sem ter clube à vista - e, na semana seguinte, António Pereira, o padre que era presidente do Fátima, desafiou-o para lá...
8. De manhã continuava a dar aulas de EF em Alverca - e ao fim da tarde ia a Fátima treinar: «Tinamos uma Ford Transit, apanhava grupo de jogador de Lisboa, o Marinho, o Saleiro, outros mais, e íamos todos juntos na carrinha e voltávamos. Assim eliminámos o FC Porto da Taça da Liga, ganhámos ao Sporting...» (Em dia de jogo, o autocarro não podia fazer marcha-atrás com jogadores e treinadores lá dentro, uma vez obrigou-os a sair, dizendo: «Não gosto de recuar, comigo é sempre para a frente» - e outra superstição se lhe viu: virar as costas à baliza quando um jogador seu estivesse a marcar penalty).
9. Saltou para o Paços de Ferreira - e foi à final da Taça da Liga, perdeu-a para o Benfica de Jorge Jesus, por 2-1.
10. O V. Guimarães foi buscá-lo - e no primeiro dia adeptos invadiram o treino em agreste manifestação, contou-o: «Quando vi aquilo pensei: 'Era disto que precisava. Estou num clube grande'. Ia atrás dos jogadores no túnel, ouvi 'Ó mister, já estão ali a bater no Faouzi' - era eu a querer entrar e eles a voltarem para trás, porque andava tudo engalfinhado. Depois-se foi o colapso financeiro apareceram os salários atrasados...»
11. Com os jogadores sem receberem ordenados durante seis meses (e dizia-se que alguns já ameaçava faltar-lhe dinheiro para comida) ganhou a Taça de Portugal ao Benfica de Jesus - e o resto é o que se sabe..."
António Simões, in A Bola
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