"Não é preciso ser grande sabedor de BD para conhecer o Iznogoud do Goscinny - esse escanifrado e desvairado grão-vizir que colou, dentro da sua alvoraçada cabeça, tresloucado desejo que era o único destino que ele queria para si (e só via em si):
- ... ser o califa no lugar do califa.
Numa Bagdad sem o encanto de mil e uma noites, Iznogoud (assim chamado pelo som solto por is no good) afunilou toda a sua vida nesse seu desígnio: tentar que o verdadeiro califa - o bom e pândego (mas também ocioso e preguiçoso) Harun Al Sindar se transformasse num pó de cinza por baixo dos seus pés.
Obcecado por esse destino que ele queria (e só via em si):
- ... ser o califa no lugar do califa
com a ajuda de Dillah Larath, o seu bronco criado, usou de tudo o pior para o conseguir: do vudu à invisibilidade, da feitiçaria aos insolventes, do toque de Midas ao olhar de Medusa.
Cego pela ambição, embrenhado em intrigas ou golpadas (umas vezes colérico, outras vezes cruel, outras vezes cínico, outras vezes maquiavélico), a realidade acabou sempre por soterrar-lhe os devaneios - com ele a cair vitíma dos seus truques, ardis, manigâncias, manipulações (sem que, no entanto, se resignasse - e parasse...).
Com a morte de Goscinny, Iznogoud continuou a sair da pena de Jean Tabary - e até virou filme. E, de quando em quando, aparece, sorrateiro, em espírito, num lugar qualquer, numa circunstância qualquer. Ao Sporting chegou sob a forma de Iznogoud de Carvalho. Conseguindo o que queria ser califa - quando não quiseram que califa continuasse a ser, ele não mais deixou de sacolejar (pelos meandros retorcidos da sua cabeça) página atrás de página do Príncipe de Maquiavel - sem se preocupar (ou inquietar) com o facto de (assim) poder arrastar o clube consigo para o último acto do Hamlet do Shakespeare (na tragédia da sua loucura). E, sexta-feira, voltou a surgir, por lá, no seu piorio - com mais trampolinices e desestabilização (torpes e ensandecidas)."
António Simões, in A Bola
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