"Ele que me perdoe. Eis a minha regra: jogador que não festejasse um golo seria expulso. Melhor: jogador que não festejasse um golo dava golo para o adversário.
Não sei de onde vem o hábito de não festejar os golos da equipa, mas o responsável devia ser julgado em Haia pelo crime de gaudicídio, pois tal criatura só pode ser um pérfido assassino de alegrias, próprias e alheias. Como sempre acontece com as maiores catástrofes, se procurarmos atentamente, nas origens encontraremos um bem-intencionado, um rapaz de bom coração que não quis ofender o clube onde foi formado, um indivíduo cheio de nobres valores e com muito respeito pela anterior entidade patronal.
A certa altura, os motivos para não se festejar um golo alargaram-se: homenagens a colegas falecidos, vénias a vagos empresários, datas nefandas, uma crise conjugal, um primo uruguaio. Mas até aqui, que eu me lembre, a praga estava circunscrita ao futebol de clubes. Um jogador não festejar um golo marcado pela sua selecção em nome do respeito e admiração pelo país adversário, nunca tinha visto. Ontem, pela primeira vez na história, isso aconteceu. Antoine Griezmann foi o culpado. Este jovem francês ficou muito célebre por festejar os seus golos de forma um tanto apalhaçada, a simular uma chamada telefónica ou numa espécie de dança que nunca compreendi e muito me irritou. Contudo, ontem, ao vê-lo marcar um golo e permanecer hirto e solene como um cangalheiro, pesaroso como uma viúva russa, dei por mim a ter saudades daquelas idiotices.
Griezmann justificou o seu acto com o facto de gostar muito do Uruguai, beber mate, dançar a cúmbia e de ter convidado uma famosa banda daquele país, os Marama, para actuar no seu casamento. Ele que me perdoe, mas isto não são razões, são atenuantes. Vejamos: um jogador com sangue nas veias em vez de mate tira a camisola para festejar um golo e, de acordo com as regras do International Board, leva amarelo. Regras são regras, dizem. Pois bem, eis a minha regra: jogador que não festejasse um golo seria expulso. Melhor: jogador que não festejasse um golo dava golo para o adversário. De repente, de uma tentativa de gaudicídio passaríamos para a multiplicação da alegria, com onze jogadores a reclamarem alegremente a paternidade de um golo órfão. Pior, de um golo enjeitado pelo pai.
Griezmann, uruguaio de proveta, que aspira à nacionalidade uruguaia por via musical (além do jus sanguinis e do jus solis, teríamos agora o jus musicis – juristas ou latinistas que corrijam a declinação), foi posto no devido lugar por Luis Suárez: “por mais que diga que é uruguaio, é francês e não sabe o que é o sentimento uruguaio. Não sabe a entrega que temos para triunfar, sendo tão poucos. Terá os seus costumes, a sua forma de falar ‘uruguaio’, mas nós sentimos de outra forma.” Desde logo porque ninguém imagina um uruguaio a sério, e não uma versão contrafeita de um uruguaio, a não festejar um golo marcado ao serviço da selecção celeste. É uma impossibilidade patriótica. Portanto, ao não festejar o golo que marcou, o “uruguaio” Griezmann excluiu-se automaticamente da comunidade a que aspira pertencer e tornou-se o inimigo número um da alegria, isto é, o inimigo número um do futebol. O infeliz Gabriel Jesus entrou para a história como o pior avançado brasileiro em mundiais, por não ter marcado um único golo nos cinco jogos em que participou. Se jogou bem ou mal, os livros de história e os almanaques não dirão. Não marcou nenhum golo, é tudo o que os vindouros ficarão a saber. Griezmann já marcou três e talvez por isso se tenha dado ao luxo de não festejar um. Por ser uruguaio, diz ele. Por ser um idiota, digo eu.
Is it coming home? Depois de ver os dois jogos de hoje, temo que sim."
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