"O acidente de avião que matou toda a equipa do Torino, a 4 de maio de 1949, depois de um jogo no Estádio da Luz, mudou o fado do calcio. A partir daí, a Juventus conquistou o papel de papão do futebol italiano. A Tribuna Expresso viajou na máquina do tempo, em Turim, e foi conhecer o Torino, o rival da Juve
- Ciao, al stadio del Toro, per favore.
- … De la Juve, no?
- No, no. Toro, Torino.
- Hmm… OK.
Peppe estranhava. Afinal, quem é que nos dias que correm, com a suposta chegada iminente de Cristiano Ronaldo, quer saber do Torino Football Club? Ainda por cima é o clube deste taxista de cabelo grisalho impecável, agradado com a história deste escriba ter a Fiorentina debaixo da pele, um clube amigo do Toro. “Se vais ao Stadio Comunale, tens de ir ao Filadelfia. E à Basilica di Superga!”
Ahhh, claro. Já agora, a chegada de Cristiano preocupa-o? Peppe olha para trás e abana a cabeça para cima e para baixo, custando-lhe admitir, juntando um sorriso malandro talvez para desvalorizar o sofrimento que está por vir. “Mas é igual, com Ronaldo ou sem Ronaldo, eles são muito mais fortes…”
Começamos pelo Filadelfia. É aqui que os granata colocam uma bandeira gigante no mapa-mundo. Na Via Filadelfia, diz a lenda nomeada pelos emigrantes que regressaram à terra de sempre, é onde está uma ruína do estádio velhinho que viu os rapazes do Grande Torino jogarem como deuses. É um naco da curva, com pedaços de cimento cansados e esburacados. Os ferros que servem de moldura denunciam a antiguidade. A vegetação invade-lhe a espinha, numa inversão de papéis, quer sentir a que cheira a glória. Ao lado está o renovado estádio, onde os profissionais treinam e os jovens jogam.
O Comunale fica a cinco minutos. Maior, imponente, cinzento, com pouca graça. Atrás há um parque enorme, sossego, relva e árvores a perder de vista, pessoas a curtir o sol com fato de banho e bikini. Faz muito calor. Esta zona é residencial, não há a confusão do centro, parece andar tudo mais devagar. Naquela hora que andámos por ali não se ouviu uma palavra sobre Cristiano Ronaldo.
Recordámos Peppe, que sorrira como quem sofre um ataque de cócegas meigo quando falou no seu herói que agitava o Comunale. “Paolo Pulici… Dizia-se Puliciclone!”, não esconde o entusiasmo. O melhor marcador da história do clube devolveu o orgulho à cidade quando conduziu os granata à conquista da Serie A em 1976. O título fugia-lhes desde 1949, ano da tragédia que marcou o clube.
“Até fico com pele de galinha”, diz outro taxista, incumbido de nos levar lá acima, à Basilica di Superga, onde o avião que levava de volta a casa o Grande Torino se despenhou. A viagem dura 30, 35 minutos. “Sou da Juve, mas essa história é…”, vai-lhe faltando as palavras.
No dia 3 de maio de 1949, o Torino deslocou-se ao Estádio da Luz para homenagear, jogando, o capitão Francisco Ferreira, que se ia despedir do futebol.
Marco mais parece um embaixador da cidade, fala de tudo e expressa-se num inglês muito bom. Vive preocupado com o populismo e com essa mesma denominação: “São fracassados, não são populistas”. Nunca foi a Florença ou Roma, mas conhece Lisboa, Estoril e Sintra e gostou. “Para quê sair daqui? Tenho tudo.” Turim é uma bela cidade, admitimos. É mais um a querer que Cristiano Ronaldo aterre finalmente no Allianz Stadium, mas vai torcendo o nariz. “Será que vem?”, questiona como todos, pouco crentes, ainda por entusiasmar.
A basílica aparece finalmente no horizonte. Amarela, inofensiva, testemunha de algo horrível. É recompensada pela vista maravilhosa da cidade, com os corredores de água e algumas avenidas compridas, culminando nas montanhas, algumas com neve, que se vislumbram lá ao fundo. A cúpula é escura e as colunas, à entrada, cinzentas claras ou brancas. É uma basílica como tantas outras, mas a lenda que a abraça esmaga. Há por ali talvez três dezenas de visitantes. “Tens de ir lá atrás”, avisa Marco.
Cada vez mais longe do ruído, os sons daquela natureza assumem o protagonismo. A sombra vai aligeirando a caminhada. A água fresca dos bebedouros sai da boca de um touro, é assim por toda a cidade. É uma cidade de toros, do Torino. “A Juve é o clube de Itália, aqui é Torino”, explicam várias vezes durante a nossa estadia na primeira capital italiana.
Lá atrás mora um monumento em honra dos futebolistas que perderam a vida naquela colina, depois de o nevoeiro e o altímetro do Fiat G-212 terem traído o comandante. Há cachecóis, fotografias da equipa, outras que individualizam os heróis do povo. Há um cartaz que conta a história em quatro línguas. Está mais silêncio aqui do que dentro da basílica. Afinal, morreram ali dirigentes, treinadores, futebolistas, staff do clube e jornalistas há quase 70 anos. O mármore elegante revela os 31 nomes. Aos pés deles, em vez de estar uma bola, descansam flores.
- Grande Torino, era melhor do que a Juve.
- Sim, sim…
- Era pois.
- História…
A incapaz batalha de um homem na casa dos 50 contra miúdos, sentados, encostados a um muro, a jogar no telefone, aborrecidos.
O Grande Torino foi a cúpula do futebol italiano nos anos 40, com cinco títulos conquistados, seguidos, o último já depois do acidente, jogando com os miúdos da casa nos últimos quatro jogos, uma medida que se alastrou aos outros clubes da Serie A. “Eram incríveis. Aquela equipa era a selecção italiana, bastava trocar a camisola”, conta Marco, rindo.
Até 4 de maio de 1949, a Juve tinha no museu sete scudetti, enquanto o Torino ganharia o sexto. Superga mudou a história do calcio. A vecchia signora ganhou força e nunca mais parou: hoje tem 34 títulos (sete seguidos desde 2012) contra os sete do Toro, o último conquistado em 1976, à boleia do herói de Peppe, Palucci.
A vida segue.
Marco lamenta que a Serie A não seja a de antigamente e lembra as cinco finais da Liga dos Campeões perdidas pela Juve desde 1996. Parece que correu uma maratona nestes dois segundos. Cristiano ia ajudar a mudar essa cantiga, seguramente, garante. Mas se não vier, está tudo bem, o clube primeiro. Afinal, Cristiano não lhe amansa a alma como o seu trio maravilha. “Platini, Roberto Baggio e Del Piero. Já imaginaste estes juntos?”"
Estive no último sábado na SUPERGA. Vi e fotografei com muita emoção, o memorial dos 31 elementos que faleceram nessa fatídico desastre.
ResponderEliminarQue descansem em Paz!