Últimas indefectivações

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Dos vendavais...

"Sempre que oiço falar do que na vida me atormenta ou me espanta, penso: talvez a Ella Berthoud e a Susan Elderkin resolvam (ou expliquem...) Eu explico: a Ella e a Susan têm um livro que se chama Remédios Literários. Nele usam os melhores romances para tratarem, com as suas metáforas ou seus sinais em doses homeopáticas, de delírios e escapismos, de patifarias e atrapalhações, de minas e armadilhas, de línguas azedas e vícios secos (& mais e não apenas do que é mau ou reles...)
Por exemplo, através de O Monte dos Vendavais de Emily Bronte mostram como a vingança (e não só...) é uma destrutiva cadeia em efeito dominó - que se abre quando Mr. Earnshaw, o senhor dos Vendavais, leva para casa o órfão Heathcliff, deixando Hindley e Catherine os filhos, varridos por ventos de ciúmes e Earnshaw acaba por vingar-se de todos, morrendo. Por entre vinditas que se sucedem, Hindley torna-se jogador, dedica-se à bebida, escondidos subterfúgios levam-no a mais bebida e mais jogo (e acaba morto também...) Dá no que dá, seguem-se paixões imprevistas e seduções perigosas, alianças imprevisíveis e casamentos forçados, fantasmas à solta e prisões sem grades, tropelias magoadas e hipocrisias de viés, culpas imaginadas e desculpas perdidas.
Mas não, não foi só pela vingança (também foi pela artimanha e a videirice...) que o futebol português parece ter caído no seu Monte dos Vendavais - num jogo que não se joga com bola, se vai jogando com rufias a parasitá-lo e mariolas a prostituí-lo. A Ella e a Susan também mostram com a Expiação de Ian McEwan que a mentira se faz de muitas cores - e não apenas com o Briony preso nos seus enganos e inventar narrativas para se salvar. E se, a cada dia que passa (nos seus fariaísmos e suas manigâncias...), há sempre mais do que um Briony a saltar-se, vergonhoso, do fundo dum mail - a virtude que pode haver nisto tudo é o poder acabar-se com eles, extirpá-los. Se tal acontecer, o futebol de verdade ganhou alguma coisa. Aliás, muito."

António Simões, in A Bola

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