"O Benfica tem de respirar fundo perante os múltiplos ataques que o tentam condicionar. E tem, tão só, de tomar nota de todos eles...
1. Falemos do Benfica, sim. Aqui e agora. Não da derrota face ao Sporting nem da vitória, clara, em Aveiro, frente ao Tondela. Nem sequer dos novos jogadores, como o Clésio ou do reiterado virtuosismo do Carcela. Falemos, sim, do Benfica e da sua estratégia. O Benfica resolveu combinar experiência - que tem o seu preço elevado - com uma aposta nos talentos que a sua Academia do Seixal indiscutivelmente bem evidencia. O Benfica sabe bem que os tempos da alta burguesia terminaram. E sabe-o antes de qualquer maioria negativa proclamar a ocupação do poder. O Benfica sabe bem que Futebol Clube do Porto e Sporting são, hoje em dia, aliados tácticos, parceiros na Liga, siameses na combinação entre a fama e o falar. O Benfica deve recordar, tão só, Pablo Picasso quando disse que «a tragédia quando somos famosos é que se tem de devotar imenso tempo a mantermo-nos famosos»! E como Picasso sabia o que era a fama! E também a tragédia! E perante aquela necessidade, que em alguns é quotidiana e em outros tem momentos semanais, o Benfica deve ser selectivo nas suas opiniões e nas suas críticas. O Benfica, e bem, deve assumir o silêncio que perturba em vez dos sons que confundem. O Benfica, e bem, deve chutar para canto e assobiar para o lado. Como perturba o silêncio e o assobio sem destinatário. Mas sem prejuízo da legitimidade de alguns benfiquistas deixarem sair, na sua voz alta ou com a sua alta voz, o que lhes vai mesmo no fundo da sua alma imensa. O Benfica sabe que já perdeu jogos importantes e que alcançou vitórias entusiasmantes, como a de Madrid. O Benfica sabe que a aliança de contrários o tentará perturbar. O Benfica sabe bem que «a bola não admite truques, só efeitos sublimes» . Mas o Benfica sabe bem que esta época está cheia de truques. Uns, poucos, novos e outros, muitos, bem velhos. Mas como nos diz Joseph Joubert «a velhice apenas priva os homens inteligentes das qualidades inúteis à sua sabedoria» ! Todos sabemos bem que o «tempo do dinheiro fácil» terminou. Mesmo que alguns não nos digam e outros não o saibam! Até para os chineses está mesmo mais difícil agora que até terminou a política do «filho único»! Sabemos bem que, com ou sem fair play financeiro europeu, há aquele momento, sempre aborrecido, em que é preciso fazer contas. E apresentar essas contas. No futebol e na política, diria eu. Já que, como escreveu Albert Ferrasse, e a propósito do râguebi, prefere «os golpes baixos no râguebi aos golpes baixos da política». E sabendo tudo isto o Benfica tem de respirar fundo perante os múltiplos ataques que o tentam condicionar. Que pretendem que reaja! Tem, tão só, de tomar nota de todos eles, de reagir nas instâncias próprias, de exigir que as instâncias competentes cumpram as suas atribuições e responsabilidades no tempo próprio, de os registar para memória futura e de assumir que está atento a tudo e a todos. Mas o Benfica sabe bem que na próxima terça feira tem um jogo decisivo na Liga dos Campeões e que uma vitória é meio caminho andado para os oitavos de final de uma competição que gera importantes receitas e proporciona relevante visibilidade. E sabendo tudo isto, como sabe, o Benfica sabe que «não há grandeza onde não há verdade». E a verdade e a grandeza combinam-se. E tudo o que «faz a grandeza dos reis na terra também faz o perigo». É este o desafio do Benfica. Neste tempo e com todas as suas concretas circunstâncias. Que o marcam, rodeiam e, até, o condicionam!
2. Ontem assisti(mos) a um extraordinário espectáculo desportivo. A Nova Zelândia (re)conquistou o título de campeã do Mundo de râguebi e fez história nesta modalidade cada vez mais atractiva e sedutora. Foi uma vitória justa e categórica. Mostrou a razão de ter, desde 2009, a liderança do râguebi mundial. Decerto querendo-a manter até 2019, data da realização, no Japão, do próximo Mundial. Um Mundial, este de Inglaterra, com emoção e muita competição. Com vontade e talento. Muita solidariedade e sofrimento. Com credibilidade e com muita coragem. E o reconhecimento, no final, do capitão australiano da justiça da vitória dos All-Blacks foi um hino ao desporto contemporâneo. Esta final do Campeonato do Mundo de râguebi terminou um mês e meio de intensa competição que esgotou os estádios ingleses, que atraiu muitos milhões de telespectadores, que mostrou a útil combinação entre as decisões dos árbitros nos lindos relvados e a necessária ajuda - ouvida e escutada por todos - do vídeo árbitro. E mostrou este Mundial que são bem verdadeiras aquelas palavras que nos dizem que «o râguebi é um jogo para cavalheiros de todas as classes, mas nunca para um mau desportista de qualquer classe». Vimos jogadas extraordinárias, momentos de força singulares, instantes colectivos impressionantes, pontapés frios e teleguiados. Vimos paixão nas bancadas. E sentimos, na final, o respeito total pelo árbitro principal, Nigel Owens. Um galês conhecido e reconhecido. Ele que abraçou a arbitragem após ter falhado uma penalidade decisiva num jogo de um campeonato escolar e de ter escutado o professor dizer-lhe, decerto que a sorrir, que «teria mais sucesso como árbitro» ! Ele que assumiu publicamente a sua homossexualidade e que disse: «É impossível arbitrar um jogo de oitenta minutos sem fazer pelo menos um erro. Mas aprendemos com os erros. E ao fazer isso melhoramos e aceitamos o facto de que não há nada de errado em cometer erros na vida.» Permitam-me uma sugestão à nossa Liga de futebol e aos seus principais patrocinadores. Ou, até, aos seus promotores. Convidem o Nigel Owens para vir fazer uma conferência - ou um seminário - a Portugal. E abram as portas do grande auditório onde, porventura, a concretizem. E acreditem, como o antropólogo americano Alfred Crawley - que morreu em 1924 - que «as diferenças tácticas entre o futebol e o râguebi, com as suas variantes, são: no primeiro, a bola é um míssil; no último, os homens são mísseis»! Como alguns de nós tivemos o privilégio de ver em muitos jogos deste Mundial!"
Fernando Seara, in A Bola
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