"Meu caro Julen Lopetegui:
Tenho um amigo, o Gonçalo, que é genial a descobrir metáforas para a vida - e mal terminou o jogo na Luz sabe o que ele me escreveu? Que o Dragão fora o Montmorency, o cão do Jerome K. Jerome, no sublime diálogo com o gato de aspecto medonho que o fazia sentir-se como uma raposa apanhada por um galinha. Só não concordei num ponto - onde ele pôs «dragão» deveria ter posto «Lopetegui». (já lhe explico...)
Acho perfeitamente natural (e esperto...) que Jorge Jesus tivesse ido a jogo com a ideia fechada de tentar ganhá-lo por 0-0 (pelas razões que nós sabemos...) - o que não consigo entender é você ter lançado a equipa que lançou, deixando Herrera e sobretudo Quaresma no banco. No futebol, transmitir uma emoção é, quase sempre, mais eficiente do que explanar uma ideia - e o que fez, fazendo o que fez, não foi desafiar a história e a angústia que trazia de Munique, foi desvirtuar a história, a história dessa alma com que o FC Porto começou a criar a sua história vai para 40 anos...
Dir-me-à: fui pragmático. Dir-lhe-ei: não foi. Também o sabe, bem melhor do que eu: no futebol, o pessimismo pode não perder jogos, mas um sinal de medo raramente os ganha - e o sinal que você, lançando contra o Benfica a equipa que lançou (sem um único extremo, veja bem...) foi esse. Dir-me-à ainda: o futebol é complexo de mais para se querer ter razão - ou para não a ter. Dir-lhe-ei, então: OK, mas, apesar disso, você fez o que não devia: em vez de procurar devolver protagonismo aos jogadores que trouxera atormentados dos 6-1, agitar-lhes o coração, fez o contrário - como que a dizer-lhes naquele sinal esquivo que o melhor talvez fosse eles tirarem os olhos da baliza, a ideia do paraíso.
Deu no que deu. E vou repetir-lho: só deu no que deu porque se há algo de heróico uma equipa modesta que procura ganhar um jogo jogando bem, há sempre algo de cobarde numa equipa grande que precisa de ganhar um jogo e alguém a põe a jogar pior do que podia..."
António Simões, in A Bola
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