"Mal por mal não teria sido melhor apagar a luz e deixar que toda a gente fosse em paz para casa?...
O dedo em riste, o olhar furioso, a pose descontrolada, a agressividade da cabeça perdida, a voz trémula, o tom irritado, o confronto com as forças policiais, enfim, um quadro negativo e surpreendente - há muito que não se via a imagem dada esta quarta-feira pelo presidente do FC Porto em pleno recinto do pavilhão do clube, depois da equipa portista perder para o rival Benfica o título nacional de basquetebol e após os jogadores adversários serem corridos para o balneário.
No final da década de 80, mas sobretudo na primeira metade da década de 90, eram relativamente vulgares as reacções do presidente do FC Porto que voltaram a ver-se, agora, no final de um jogo de basquetebol. Essas reacções do líder portista foram desaparecendo à medida que as equipas do FC Porto - de futebol e não só - foram tornando mais normais os ciclos de vitórias. Claro: quanto maior o sucesso menor a irritação.
Para conseguir vencer, o presidente do FC Porto e os seus principais seguidores foram sempre capazes de quase tudo. De ameaças, pressões, insultos, agressões, de trinta por uma linha; depois, com as vitórias e os títulos, os nervos foram dando lugar a uma euforia cada vez mais tranquila e o presidente portista quase chegou a parecer uma estrela da diplomacia.
Para trás, ficavam anos de agitação quase permanente, instabilidade sucessiva, pressão constante, agressividade latente. Impossível não recordar jogos como o FC Porto-Benfica que ditou o título de 1991 para os encarnados, ou como se tornaram relativamente célebres partidas dos portistas em campos como os do Estrela da Amadora, do Tirsense, do Farense ou do Belenenses, para citar apenas casos em que o ambiente (em especial nalguns daqueles jogos) chegou a tornar-se verdadeiramente explosivo.
Bem me recordo deles.
Os anos passaram e a coisa acalmou. O FC Porto passou a ganhar mais do que os outros. Muito mais. E aparentemente deixou de ser necessária aquela atmosfera doentia que parecia rodear as comitivas do FC Porto sempre que se aproximava os momentos decisivos da competição.
Fosse ela qual fosse.
O lamentável espectáculo visto no pavilhão portista esta quarta-feira levou-nos assim a um deplorável baú de recordações. Não, evidentemente, pela atitude dos adeptos, porque negativas atitudes de adeptos há em todo o lado, em todos os clubes e em todos os países, mas pelo comportamento dos mais altos responsáveis do FC Porto, do mais impulsivo, alterado e agressivo presidente, até ao mais fleumático, sereno e calmo administrador, como é o caso de Angelino Ferreira, invulgarmente atirado para aquela arena de gladiadores em que parece ter-se transformado, subitamente, o recinto do magnifico pavilhão do clube azul e branco, curiosamente incapaz nos últimos largos anos de celebrar no basquetebol o que tem festejado, por exemplo, no futebol, andebol ou hóquei em patins.
Neste tipo de modalidades colectivas de pavilhão, sobretudo quando estão frente a frente equipas de clubes tão triviais como são hoje o FC Porto e Benfica, é mais ou menos previsível a tensão entre adeptos, os maus comportamentos, até as inqualificáveis e lamentáveis agressões, que muitas vezes chegam a vitimar atletas, como também já aconteceu na Luz, especialmente quando o jogo, por qualquer razão, é decisivo, como era o caso esta quarta-feira.
O caso, porém, voltou desta vez a ganhar uma inacreditável dimensão e a revelar o pior lado de dirigentes cujo verniz nunca deixou verdadeiramente de estalar e cuja história no futebol português está longe, muito longe mesmo, de ser feita apenas de sucessos, bons exemplos e fair-play.
A mim, confesso que nada do que se viu quarta-feira me surpreendeu. Lamentável e vergonhoso.
Não me surpreendeu porque, entre outras coisas, tenho memória.
Mal por mal, não teria sido melhor apagar a luz e deixar que toda a gente fosse em paz para casa?
Teria.
Muito melhor!
PS: A morte do antigo dirigente do Sporting, Manolo Vidal, leva-nos mais um pedaço da história boa do futebol em Portugal, da história boa dos dirigentes com categoria, da história boa das pessoas boas. Felizmente, histórias como as da festa da Académica no Jamor ajudam, pelo menos, a manter viva a memória das boas histórias de gente boa como o Manolo Vidal."
João Bonzinho, in A Bola
PS: Só um reparo: já em post's anteriores expliquei a diferença entre actos de violência impunes (e até incentivados...), e actos de violência condenados por toda as partes... todos se recordam do incidente com o Filipe Santos fora do Pavilhão (que foi investigado, julgado, e que teve condenações...), mas porque é que ninguém se recorda da Stickada do Paulo Alves a um adepto do Benfica???!!! Nem do petardo que mandou o Pedro Afonso para o Hospital a meio de um jogo???!!! etc. etc. etc...
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