"SE o Benfica fosse um clube pequeno (ou mesmo médio) teria concluído na última quinta-feira uma época notável: tinha conquistado um título oficial, a Taça da Liga, tinha sido semi-finalista da Taça de Portugal e da Liga Europa e iria acabar o campeonato no lugar de vice-campeão.
Felizmente, o Benfica é um clube grande e não é um clube pequeno ou médio. Portanto concluiu, lamentavelmente, na última quinta-feira uma temporada muito má. E como se não lhe bastassem os resultados desportivos, para piorar as coisas, ainda fez questão de primar por momentos sociais e de comunicação entre o apatetado e patético.
Foi um Luís Filipe Vieira acabrunhado, e isso só lhe fica bem, que falou na noite de segunda-feira aos benfiquistas através da estação de televisão do clube. Fez bem o presidente do Benfica em oferecer a cara ao descontentamento popular, sujeitando-se ao crivo das opiniões a favor e contra as suas palavras. Foi humilde ao reconhecer erros da casa, da estrutura e os seus próprios erros. E ainda foi mais humilde ao prometer que, na Luz, ninguém mais voltará a prometer títulos em tempo de defeso.
Pode ser que fique esta lição, que já é bem importante de aprender.
Por não ser um clube pequeno nem médio, os benfiquistas exigem ao Benfica que reaja como grande Benfica, um clube grande, o maior do país, num momento tão frustrante como este que está a viver. Por essa razão talvez fosse dispensável, até em nome do bom senso, aquela parte do discurso de Luís Filipe Vieira em que o presidente do grande Benfica assegurou 'todos os sacrifícios' para garantir a continuidade de Salvio.
Que o tempo - pois, pois, esse grande escultor...- não venha a reduzir ao estatuto de pequeno Benfica esta garantia de Vieira, é o que se deseja.
De todos os modos, um verdadeiramente grande Benfica, à dimensão do seu poderio histórico e mítico, estaria hoje muito pouco preocupado em fazer 'todos os sacrifícios' por Salvio. Estaria, porventura, mais empenhado em bater os 20 milhões da cláusula de rescisão de Falcao. Isso, sim, é que era grande. Até porque já não há amor à camisola.
DOMINGOS PACIÊNCIA vai estar em Dublin com todo o mérito a dirigir o Sporting de Braga na final da Liga Europa mas os adeptos minhotos já foram informados, com mais de uma semana de avanço, que o próximo clube do seu treinador é outro.
Inácio, que foi treinador campeão em Alvalade, já desejou felicidades a Domingos mas ressalvou um pormenor de grande importância: 'Vamos ver se Domingos tem no Sporting parede para se segurar', disse.
Não haja dúvida de que o futebol português tem muitas metáforas. Agora chegámos às metáforas da construção civil. Mas Inácio deve saber de que 'parede' está a falar porque, certamente, não lhe faltou 'parede' quando foi campeão com o Sporting.
UM rapazinho chamado Pizzi, nascido em Bragança, prestou um belo serviço à memória de Jimmy Hagan e apontando de rajada três golos ao FC Porto conseguiu que o recorde do treinador inglês se mantivesse imbeliscável. Hagan conduziu o Benfica ao título de campeão em 1972/1973, um campeão sem derrotas e apenas com dois empates.
Fraco consolo este para os jovens benfiquistas do presente. Salvou-se o velho recorde de Jimmy Hagan e ainda bem porque Hagan não merecia ser arrolado como destroço nesta época tão desastrosa do Benfica.
Villas Boas, no 3-3 de domingo com o Paços de Ferreira, também quebrou uma série muito vincadamente sua neste campeonato. Pela primeira vez conseguiu não ser expulso tendo empatado o jogo.
Nos dois empates anteriores, com o Vitória de Guimarães e com o Sporting, Villas Boas viu sempre o cartão vermelho e, inteligentemente, nas semanas que se seguiram a esses únicos contratempos, fez com que o mau tema dos pontos perdidos fosse substituído nas conversas de rua e na comunicação social pelo bom tema da injustiça de que foi alvo o jovem treinador do FC Porto em defesa dos interesses da sua equipa.
Mas ao terceiro empate, com o título ganho, já nem valia a pena dar-se a tal trabalho. E também é verdade que o terceiro golo de Pizzi chegou apenas nos descontos. Já nem deu tempo para pensar no assunto.
O futebol português reuniu-se em congresso na Maia e os árbitros tiveram direito à palavra. Vítor Pereira, o presidente da referida classe, fez uma afirmação interessante e que dá que pensar sobre o estatuto de amadorismo dos árbitros: 'Ninguém é amador a ganhar 40 mil euros por ano, Os árbitros não são o parente pobre do futebol e em alguns casos ganham mais do que alguns jogadores profissionais das competições profissionais.'
Deve ser felicitado Vítor Pereira por revelar sem meias palavras uma realidade de que o adepto comum andava, por certo, distante de imaginar.
Seguindo uma lógica de mercado, os melhores árbitros portugueses são os que apitam mais vezes os jogos mais importantes e, por isso mesmo, são muito bem pagos.
Conclusão: acabou-se o tempo do amor à camisola.
Jorge Sousa, árbitro do Porto, também falou na Maia e escolheu como tema a liderança como requisito fundamental da arte de bem apitar. Para tornar as suas ideias mais claras, Jorge Sousa disponibizou-se para se dar a si próprio como exemplo: 'Se em nossa casa quem manda é a nossa mulher dificilmente num jogo conseguiremos liderar', disse.
Conclusão: ah, valente!
A propósito desta tirada de Jorge Sousa, tão rica de materiais sociológicos, vem-nos à ideia de que seria importante deixar os árbitros falar no fim de todos os jogos. Pois se são eles tão bem ou melhor pagos do que muitos jogadores profissionais, se são parte preponderante nos desafios, porque razão estão impedidos de assumir a sua merecida quota-parte de protagonismo deixando-nos ouvir as suas vozes formulando em voz alta os seus pensamentos?
Muitas vezes, para desculpar más decisões das equipas de arbitragem, se diz que errar é humano e que sendo os juízes humanos também podem errar sem que venha ao mundo maior desgraça do que essa mesmo, a de errar. Mas, precisamente, para lhe conferir perante o adepto comum o estatuto de humanidade era urgente ouvi-los falar todos os fins-de-semana. Ficavam iguais aos demais, a jogadores, a treinadores, a presidentes, a deixavam de ser aquelas figuras misteriosas e silentes que emprestam tão pouco de si próprios à indústria.
No nosso futebol só conhecemos os raciocínios, os dons particulares de expressão, a lógica, as metáforas mais utilizadas, a eloquência, o saber estar dos árbitros quando estes acabam as suas carreiras e passam a comunicar directamente connosco através dos jornais onde escrevem ou das estações de rádio e de televisão com quem colaboram. E aí, sim, finalmente conhecemos de perto essas pessoas que, já não sendo árbitros, estão finalmente autorizadas a revelar quem são, como pensam, como falam.
É, no entando, tarde para o efeito de humanização pretendido. Por já não serem árbitros já não lideram o que importa e já estão, perante a opinião pública, num patamar abaixo do já de si incrivelmente baixo patamar das mulheres que não mandam nas suas casas.
E esta já é uma grande inferioridade."
Leonor Pinhão, in A Bola
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