"Eis que então, no seu linguajar tacanho, o Palhaço ordenou:
-'Idem e divertem-se!'
E eles foram. Esfregaram-se com giz, como se isso servisse para branquear a sua escura podridão, e saltaram grotescamente como orangotangos paraplégicos, estranhando não haver ninguém para insultar ou espancar.
O Palhaço, agarrado, à barriga de tanta galhofa, voltou a rosnar:
-'Apaguem as luzes!'
Sim. E as luzes foram apagadas. E tudo ficou na escuridão da qual o Palhaço tanto gosta, brilhando apenas as cabeças de giz como se carregadas de bolor.
-'Não esqueçais as criancinhas', disse o Palhaço.
Confusos, entreolharam-se. «São, portanto, estas criancinhas diferentes das outras às quais não podemos dar a mão?», terão pensado. E o Palhaço ensinou-lhes que há crianças que nascem dos ovos das serpentes; crescem a saber odiar e a recitar insultos como quem recita a tabela dos logaritmos. E então eles perceberam. E esfregaram as cabeças das criancinhas com o giz bolorento até que elas se parecessem com fungos e, hílares, atiraram-nas para o centro do regabofe.
-'Não deixeis de fora as meretrizes, como eu nunca deixo as minhas!', roncou o Palhaço.
E as meretrizes também tiveram o seu lugar no sórdido bacanal em que todo aquele carrossel simiesco se ia transformando, como princesas da Babilónia carregando o furdão dos seus vícios. A grande exaltação da fraude, do embuste, da corrupção e do logro. Festejavam-se os mais baixos instintos da condição humana e tudo aquilo que acabrunha os homens sérios e da espinha direita. Feliz, o Palhaço contemplava a sua obra pérfida.
E enquanto os infelizes joguetes da sua peça de teatro se esfregavam uns nos outros, soltando impropérios e sons animalescos, transformando-se aos poucos numa pasta fétida de suor e giz, o Palhaço saiu pé ante pé. Um pobre infeliz, de cócoras, esperava-o para jantar."
Afonso de Melo, in O Benfica
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