Últimas indefectivações

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A mística benfiquista

"Não é fácil escrever sobre a mística. É que a mística é filha do mistério, da emoção, da crença e até do sobrenatural. É por isso que nas nossas vidas mudamos em tantas coisas mas nunca no clube do nosso coração.
Em minha casa, o meu pai era do Porto e a minha mãe do Sporting. As famílias de um e de outro seguiam, no geral, essas predileções (já não a minha irmã), tal como hoje os meus filhos e todos os meus sobrinhos, sempre fomos indefectíveis benfiquistas. Não há, naturalmente, uma explicação racional para esta opção, mas que todos fomos tocados pelo benfiquismo isso é claro.
A minha mais antiga recordação do Benfica tem a ver com a final europeia de Berna, em que, pela primeira vez, fomos campeões europeus. Tinha 7 anos. Não tinhamos televisão em casa e fui ver o jogo a casa do meu tio João, que morava perto de nós. A transmissão a preto e branco era péssima, mal se reconheciam as linhas do campo. Depois, recordo, com uma imagem tão nítida que até me faz impressão, no dia seguinte, às 8 da manhã, estar à porta de casa, à espera da carrinha que me havia levar ao colégio, com uma excitação para poder ir partilhar com os outros meninos esse êxito extraordinário. Lembro-me de subir à carrinha - conduzida pelo Sr. Rosa - e ver estampada no rosto dos meus colegas, a alegria daquela vitória.
Essa incrível equipa de futebol dos anos 60 é um feito único no desporto português e marcou para sempre gerações de portugueses e de todo o mundo da lusofonia.
Tinha de especial ser formada por portugueses, brancos e pretos, gente simples e fabulosa, humilde e incansável na luta, de que Eusébio era o maior emblema. Esta era uma marca única da equipa do Benfica: exclusivamente composta por jogadores portugueses, que se mantinham fiéis à mesma camisola toda a sua carreira. No Benfica também não havia lugar para 'chicotadas psicológicas', os treinadores começavam a época e acabavam-na. Os adversários eram respeitados, que a verdadeira grandeza não precisa de amesquinhar ninguém. Lembro-me bem da minha emoção quando o Sporting, com aquele maravilhoso golo-canto do Morais, venceu a 'Taça das Taças', tal como, mais tarde, desci a Avenida da Liberdade a comemorar a primeira vitória europeia do Porto, com aquele inacreditável golo do Madjer. A mística do Benfica foi forjada em muitas vitórias e em campeões inesquecíveis, desde os míticos Cosme Damião e José Maria Nicolau aos que já são do meu tempo, como, entre muitos outros, Águas, Germano, Coluna, Eusébio, Livramento, Peixoto Alves, Carlos Lisboa, Madalena Canha, Humberto Coelho, Toni, Bento, Nené, Chalana, António Leitão, Rui Costa, Preud'Homme, Nélson Évora, Telma Monteiro, Vanessa Fernandes, Nuno Gomes ou Di Maria. E também em símbolos quase imateriais, como o hino cantado pelo Luís Piçarra, o voo da águia ou a imponência do Estádio da Luz (como o 'terceiro anel' era temido!). Mas sobretudo nessa vocação inter-classista e universal que faz do Benfica um caso mundial. É que o benfiquismo vê-se em Lisboa e um pouco por todo o lado. Falando do que conheço, o Benfica está presente tanto em Trás-os-Montes como na Guiné-Bissau. Como acontece com os grandes impérios, o Benfica também teve crises terríveis, que quase o destruíram, e a que sobreviveu porque os nossos valores foram maiores que os males que nos atacaram.
É graças à mística benfiquista, feita de simplicidade, mas também de ambição de grandeza, sob a égide do nosso lema, e pluribus unum, que prosseguiremos fiéis a um património português único, que há de continuar a alimentar o sonho de gerações."

Ricardo Sá Fernandes, in Mística

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