"A participação olímpica de um país nunca deverá ser resultado de uma despesa, antes o espelho da forma como um país olha para si mesmo. Queremos mesmo falar sobre dinheiro mal gasto?
No balanço dos Jogos Olímpicos, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa: «Os resultados obtidos atingiram as metas, mas pode-se fazer mais, pode-se fazer melhor, implica mais dinheiro, implica uma aposta mais funda. Eu não sei se os portugueses, daqui por uns meses, quando tiver passado o entusiasmo dos Jogos Olímpicos, serão tão entusiásticos assim na ideia de reforçar substancialmente, como fazem outros países que gastaram fortunas, até países com dimensões próximas da nossa, para poderem ter resultados políticos.»
Dito assim, a ideia do Presidente da República soa a injusta e redutora. Injusta, porque coloca nos praticantes desportivos um ónus que não merecem, como quem diz: ‘Estás aí em Paris ou Los Angeles com o dinheiro dos meus impostos’; redutora porque redimensiona a participação olímpica a uma ilha isolada no mar de prioridades de um país. Mas é um pensamento que não surpreende. Reflete, na verdade, as escolhas do Portugal democrático: o desporto como um hóbi. Em cinco décadas construíram-se estruturas mas não uma verdadeira política do desporto, que comece nas escolas e abranja universidades e onde a Educação Física seja integrada de outra forma, até na nomenclatura (e porque não Educação para a Saúde, física e mental?) e acima de tudo uma disciplina tão importante como a matemática ou o português (e sim, que a nota conte para o currículo).
Com quase 300 dias de sol por ano, Portugal tem índices de sedentarismo muitíssimo superiores a quem vive no Norte da Europa e somos, infelizmente, um dos países da União Europeia com menor prática de atividade desportiva. Somos, por sua vez, um dos países do mundo com a população mais envelhecida e todos os estudos indicam que assim continuaremos nas próximas décadas. Mas será uma velhice com baixa qualidade.
Mesmo que a questão surja apenas de quatro em quatro anos, nunca é demais relembrá-lo: apostar no desporto é investir num país melhor. Numa sociedade que no futuro irá recorrer menos ao Serviço Nacional de Saúde, logo, com impacto positivo no Orçamento do Estado; numa sociedade com mais sensibilidade e maior cultura desportiva. Pode parecer caricatural, ou talvez não, mas ainda temos como principal desporto o levantamento de mínis enquanto se dispara contra o árbitro, o adversário ou até mesmo contra a própria equipa.
Durante as férias fiz um pequeno estudo sociológico entre amigos. Todos estavam satisfeitos com «o Leitão», mas ninguém sabia o que era o Omnium ou o Madison. E desconheciam que há em Portugal um ecossistema numa determinada região que tem um velódromo e uma indústria ligada às bicicletas com elevada dose de inovação e ocupando lugares destacados a nível internacional. Estes campeões em Paris (e tantos outros e outras nos Mundiais, que faziam o saudoso Fernando Emílio correr pelos corredores na Queimada para nos dar a novidade) não nasceram por acaso nem por injeção de capital ad hoc, mas porque houve algo muito mais estrutural e transversal, envolvendo escolas, universidades, empresas e população em geral.
A participação olímpica de um país nunca deverá ser resultado de uma despesa, antes o espelho da forma como um país olha para si mesmo. Queremos mesmo falar sobre dinheiro mal gasto?"
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