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sexta-feira, 12 de julho de 2024

O 10 está morto, viva o 10!


"O futebol conseguiu destruir de forma autofágica o seu maior símbolo e fonte de magia

O futebol inverteu-se, deixou-se virar do avesso. Hoje, tudo é invertido, falso ou decimal: os laterais, os centrais e os extremos invertidos, os 6,5 e os 9,5, e os falsos 9 e 10. Até o guarda-redes passou a ser o falso líbero. O jogador tornou-se híbrido, ocupa, à vez, mais bolsas de espaço.
O trinco, médio defensivo destruidor e posicional, morreu. O dez, símbolo-maior não só em campo, mas de um modo de estar e de vida, quase de rockstar, é apenas número sem significado. O extremo clássico está em vias de extinção.
As linhas apertaram para levar ao limite a máxima de Cruijff e Michels: torna o campo grande com bola e pequeno sem esta. O problema é que hoje já ninguém lhe devolve as reais dimensões. Todos não só sabem como pensam mantê-lo o mais reduzido possível.
Num mundo em que se privilegia o futebolista aposicional e multifuncional, ao 10, primeiro, roubaram o espaço. Apertaram o que havia entre linhas até se sentir claustrofóbico. Então, exilou-se num flanco. Destros na esquerda, canhotos na direita, e partir daí para dentro.
Contudo, tornou-se vítima do próprio sucesso e abriu o caminho aos extremos de pé contrário, mais dribladores e explosivos, embora com menos passe. Messi sobrevive por ser um génio, porém já combate «últimas batalhas».
Outros baixaram, como Pirlo e Modric. Mas teriam sempre de ser muito bons como foram para subsistir, ou o multifuncional garantiria sempre mais recuperações e os mesmos passes verticais.
Com os extremos em diagonais outside-in, os treinadores abusam das linhas de 5 e acrescentam gente ao interior. O jogo tornou-se mais defensivo: na busca de superioridades, na falta de risco, na aposta nas bolas paradas ou nos penáltis.
De forma inacreditável, um futebol autofágico destruiu o seu maior símbolo. Perdeu magia, ficou previsível, igual, enfadonho. E, aí, sobressai o original, com respostas para tudo.
Os sul-americanos, que ainda protegem Messi e James, olham com desdém para a Europa. A Argentina, única capaz de quebrar a série de Mundiais ganhos pelo Velho Continente num momento afirmação da sua maior figura, ainda os cria. O Brasil não. Até o relacionismo de Diniz, que combatia a normalização do juego de posición, entrou em desgraça.
Todo o continente atravessa uma crise de talento. E se, de repente, os resultados se tornarem ainda mais negativos, cairá o maior obstáculo a nova (e infeliz) europeização da América Latina."

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