"O futebol voltou a trazer-nos maus exemplos. Casos recentes, envolvendo crianças adeptos de clubes visitantes, vítimas da raiva de adeptos locais voltaram a chamar a atenção para o clima que se vive, com triste frequência, nos estádios de futebol. Para quem, como eu, é um adepto de futebol com presencia assídua nos estádios isto tem tanto de triste como de pouco surpreendente. São quase mais os cânticos ofensivos contra as equipas visitantes do que os cânticos de apoio à equipa da casa. São mais as agressões verbais contra árbitros e atletas, incluindo os da casa, do que os festejos com os golos ou entusiasmo com as jogadas mais belas.
Há enormes diferenças no modo como se vive e celebra o desporto entre países. Tenho uma admiração particular, nesse aspeto, pelos Estados Unidos, onde o desporto é vivido de outra forma, muito mais positiva. Em que se celebra a vitória, mas não a humilhação dos vencidos. Em que o entusiasmo é enorme e se converte em festa e não em violência.
Há diferentes variáveis que contribuem para a formação dessa cultura desportiva, mas uma vez instalada essa cultura ela não é fácil de mudar. Não bastarão campanhas educativas e de sensibilização. São necessárias sanções duras e eficazes (que não fiquem no papel, mas sejam realmente implementadas). Isso é difícil se a credibilidade das instituições desportivas e públicas até agora responsáveis por aplicar essas sanções é praticamente nula. Quantos daqueles que foram expulsos dos estádios na verdade cumprem essas exclusões? Que aconteceu com as sanções aplicadas a claques ilegais? Que impacto real têm as sanções aos dirigentes desportivos por discurso violento? A ironia é que, se (e esperemos que sim) vierem a ser aplicadas sanções sérias aos sócios e adeptos do Estoril envolvidos no mais recente episódio, o que irá ser dito é que foi assim porque se trata de um clube pequeno. E o que é triste é que todos vamos pensar que é bem possível que assim seja. As sanções nunca serão eficazes enquanto não existir confiança nas instituições responsáveis pela sua aplicação e na genuína independência e isenção dessas instituições.
São precisas sanções fortes, mas isso só funcionará com instituições credíveis e verdadeiramente independentes no desporto e a supervisionar o Desporto. Se forem capturadas pelo poder político e pelos clubes nada haverá a fazer. No entanto, existem regras e modelos conhecidos que poderiam assegurar essa independência. E essas instituições, dentro e fora das organizações desportivas, poderiam estar associadas a mudanças que contribuam para o combate às fortes suspeitas de corrupção à volta do negócio de futebol (reforçadas pelas investigações criminais em curso): deste a introdução de um novo modelo de sociedades desportivas (reforçando os mecanismos de separação de poderes e escrutínio internos) à realização de fit e proper tests (avaliações de integridade) a que estariam sujeitos os dirigentes
Claro que a frequente mistura entre política e futebol diminui a vontade de intervenção do poder político. E existe um receio legitimo de que certas intervenções publicas no futebol possam gerar confrontações com as instâncias internacionais de governo do mesmo (que, ao contrário do que muitos julgam, nunca serão a solução para os problemas do nosso futebol, pois, em muitos aspetos, são ainda piores). Mas há que ter em conta que os próprios líderes do nosso futebol (talvez conscientes da oposição interna que sentem às reformas que desejariam fazer no futebol) têm apelado ao Estado para que faça algo. E há uma forma de o Estado o fazer sem o impor e logo sem entrar em conflito com UEFA e FIFA. A minha sugestão é semelhante à estratégia já empregue nalguns países. Reconhecer a importância do futebol e do desporto e reconhecê-la atribuindo-lhe diferentes vantagens, incluindo a nível fiscal. Mas fazer depender o reconhecimento desse interesse publico e o acesso às vantagens que daí resultariam, incluindo fiscais, do cumprimento de requisitos muito mais exigentes e que incluíssem a criação e reconhecimento dessas entidades genuinamente independentes dentro e fora das federações e Ligas. Seria um início para mudar esta cultura."
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